Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Nos 190 anos da imprensa negra no Brasil, ainda temos muito a progredir

'O Homem de Cor' foi o embrião do ativismo negro no jornalismo

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"O homem de cor, que ama sua Pátria, e protesta morrer pela igualdade das leis, não muda de partido." Assim se pronunciou, há 190 anos, O Homem de Cor, jornal publicado pela Tipografia Fluminense, do Rio de Janeiro, de propriedade do tipógrafo, poeta, contista, dramaturgo e tradutor carioca Francisco de Paula Brito (1809-1861).

O marco dessa história nos dá a verdadeira dimensão, quase dois séculos depois, do papel desempenhado pela população negra letrada na formulação de ideias e do pensamento da sociedade brasileira, através de uma imprensa de ideais negros no Brasil, muito antes do advento da Abolição, em maio de 1888.

Paula Brito era um intelectual negro que viveu em um período brasileiro escravista e ultraconservador. Sua tipografia, que funcionava no centro da capital do Império, foi o local responsável por grandes feitos jornalísticos e literários, que impactariam na vida literária e cultural do país.

Além da publicação de jornais, que marcam os primórdios da imprensa brasileira, Paula Brito vai ser responsável pela empregabilidade de duas estrelas da nossa literatura: o poeta Casimiro de Abreu e o jovem Joaquim Maria Machado de Assis. Como se não bastasse, também vai ser o editor do primeiro romance conhecido entre nós –"O Filho do Pescador", de 1843—, de Teixeira e Sousa, outro homem "de cor".

É dele, no entanto, a primazia de colecionar feitos. Além de publicar O Homem de Cor, também é o inaugurador da imprensa negra no Brasil. Pelas páginas do seu "exaltado" jornal, como o definiam seus opositores, defendia posições políticas, cidadania e acesso a cargos públicos a pessoas negras. Dizem que nesse caso estava advogando em causa própria.

Francisco de Paula Brito
Francisco de Paula Brito - Reprodução

Já no primeiro número de O Homem de Cor, de 14 de setembro, desanca com a divisão de classes imposta pelos poderosos e diz, textualmente, alegando o embargo de negros em postos da administração: "Não há um representante das nossas cores, dos empregos públicos, e de toda a parte nos excluíram".

Na defesa de um homem injustamente encarcerado, se exalta da seguinte forma: "Criminoso seria o homem de cor, se na crise mais arriscada, na ocasião em que os agentes do Poder desembainham as espadas dando profundos golpes na Constituição, na Liberdade etc., etc., etc, guardasse mudo silêncio, filho da coação, ou do terror".

Em "Um Editor do Império", obra importante escrita por Rodrigo Camargo de Godoi sobre a biografia de Paula Brito, o autor faz referência à influência do editor negro como "uma espécie de catalisador no cenário cultural e literário da capital do Império", ou seja, da cidade oitocentista do Rio de Janeiro.

Mas é a partir da experiência empreendida por ele, como destaca a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, atual diretora-geral do Arquivo Nacional e autora do livro "Escritos da Liberdade: Literatos Negros, Racismo e Imprensa Negra", que muitas publicações do mesmo gênero foram surgindo.

À lista dela incluem-se o "Brasileiro Pardo", "O Cabrito", "O Crioulinho" e "O Lafuente", todos jornais do Rio de Janeiro, e de 1833. Nos anos seguintes, aparecem "O Homem – Realidade Constitucional ou Dissolução Social", do Recife, de 1876; "A Pátria – Órgão dos Homens de Cor" e "O Progresso", de São Paulo, respectivamente de 1889 e 1899; e, por fim, "O Exemplo", de Porto Alegre, de 1892.

Eu acrescentaria, sem receio de erro, "O Moleque", de 1885, editado por Cruz e Sousa, em Santa Catarina, e "Gazeta da Tarde", do Rio, especialmente na fase de José do Patrocínio.

Como é perceptível, a ideia de uma "imprensa negra" se espraiou por várias partes do país, fato intensificado na entrada do século 20, quando a população negra passa a buscar posicionamento e ascensão social através da cultura e da educação.

Esse ativismo político negro, que inseriu o debate sobre "a questão racial" ainda no início do Período Regencial, antes da maioridade do imperador dom Pedro 2º, então um menino, é marcado pela tipografia dessas obras impressas. Ainda a historiadora Ana Flávia, com larga experiência nos estudos sobre essa época, nos diz que esses jornais, "que circularam na Corte entre setembro e novembro de 1833, anunciaram, agora por intermédio das letras tipográficas, o protesto negro a serviço dos seus direitos, nesse caso, aqueles prometidos a todo cidadão" —na Constituição de 1824, acrescento eu.

Sem dúvida, é um feito enorme festejar os 190 anos de nascimento do jornalismo produzido por homens negros no Brasil, que ainda hoje, apesar dos avanços tecnológicos, temos muito por avançar e progredir.

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