Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Aos 20 anos, lei sobre ensino de cultura afro-brasileira ainda patina

Brasil negro continua com sua história relegada a segundo plano

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Ao completar 20 anos, a implantação de estudos sobre história e cultura afro-brasileira nas escolas ainda caminha com lentidão

O ano de 2023 marca a passagem de duas décadas da assinatura da lei federal 10.639, que instituiu a obrigatoriedade curricular do ensino da temática de história e cultura afro-brasileira e indígena nas disciplinas da educação básica, que inclui o ensino fundamental e médio.

Embora passados 20 anos de sua implementação, em janeiro de 2003, a tarefa para alcançar seus objetivos continua nos cobrando redobrados esforços e muitos desafios.

No Brasil, tudo o que se refere a questões que envolvam a população negra —o conjunto da sociedade formado pelo contingente de pretos e pardos, de acordo com nomenclatura do IBGE—, é sempre de difícil aceitação e execução.

No caso da lei 10.639 não é diferente. E as razões estão postas, uma vez que o racismo é um dos seus fatores mais preponderantes, inclusive tendo pautado as bases de criação da própria lei.

São muitas as dificuldades de implantação de uma lei como a 10.639 em um país como o Brasil. Estruturado social, cultural, educacional e economicamente sob processo escravista de longa duração, no entanto, resistir a implantação de uma lei, criar barreiras e obstáculos ao seu funcionamento, é algo, entre nós, no mínimo compreensivo, dentro da lógica institucional demarcada pelo racismo e pelo privilégio.

As instituições no Brasil, sejam elas jurídicas ou educacionais, comandadas em geral por pessoas brancas, não foram constituídas para atender as expectativas da população negra. Pelo contrário. Ao longo dos séculos, sobretudo no período de formação da sociedade brasileira, elas serviram como instrumento de controle social, passando pela questão racial.

As educadoras Omo Ayo Otunja (de branco) e Mako'yilè Gba Oya Nkan (de amarelo), que levam educação africana para escolas no Rio Grande do Sul - Danilo Verpa - 21.out.22/Folhapress

Como no passado, a lei 10.639 também funciona como uma espécie de "lei para inglês ver". No período imperial, em 1831, para aliviar a pressão inglesa e adiar a abolição da escravatura, o ministro Diogo Feijó fizera uma lei para acalmar a Inglaterra –proibindo o tráfico negreiro no Brasil e declarando livres os africanos que chegassem ao país de forma ilegal.

Ontem, como hoje, o que se dá é uma cópia esfarrapada do discurso jurídico secular, eivado de exclusão e apagamento. Também para aplacar a pressão do movimento negro brasileiro e, de certa forma, de grupos afro-americanos de luta dos direitos civis —Angela Davis, ativista norte-americana, esteve oito vezes no Brasil, fazendo palestras e lançando seus livros—, implantou-se a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira, que até hoje encontra resistência de docentes e dirigentes de escolas, sobretudo quando se pautam assuntos sobre religião de matriz africana, por exemplo.

Portanto, falar de educação antirracista com viés na lei incomoda a classe dominante, elite que domina o campo do saber e do ensino. Vinte anos são passados do aniversário da lei e ainda é grande o esforço para incluir o estudo da história do continente africano e o reconhecimento da luta dos negros no Brasil, sua cultura e contribuição na formação da sociedade brasileira.

Hoje, de acordo com o IBGE, negros representam cerca de 55,9% da população. Porém, dentro da formação escolar, do ensino de formação básica, o aluno, quando aprende sobre uma civilização, ele vai estudar países europeus ou asiáticos, . Nada sobre a África, continente formado por 54 países e com 1,3 bilhão de habitantes, conforme estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU).

O Brasil negro, segundo maior depois da Nigéria, tem sua história relegada a segundo plano. É hora de repensarmos o que queremos enquanto nação, sob pena de nos referendarmos de fato como um país racista para o resto do mundo.

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