Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Eu batia um bolão quando criança

Para ter algum crédito e poder jogar, não podia rebolar ou dar de 'mulherzinha'

São Paulo

Segundo minha memória, eu batia um bolão quando criança. Meus irmãos já insinuaram que isso nunca aconteceu, mas prefiro acreditar na falsa lembrança de ter feito uns golaços no meio da molecada. Jogando bem ou não, o fato é que, para ter algum crédito e poder jogar, não podia rebolar. Quer dizer, você tinha que bancar a durona e não dar uma de "mulherzinha".

Lei que proibia mulheres de jogarem futebol foi revogada em 1979
Lei que proibia mulheres de jogarem futebol foi revogada em 1979 - Isadora Brant - 8.jan.2013/Folhapress

Também tinha o "dono da bola", cujo lugar era garantido no jogo, enquanto a bola prestasse. Depois, até ele tinha que comparecer com algum mérito próprio, se tivesse. Só sei que eu me esforçava para ser chamada no time e, ainda mais, para não me machucar muito, pois morria de medo de chorar, caso isso acontecesse. Estragaria toda a minha pose. Curioso lembrar que tínhamos a lei 3.199, de 1941, que determinava que era proibida a prática de futebol para mulheres. Foi apenas em 1979, sob pressão da Democracia Corinthiana --Juca Kfouri que o diga-- e das conquistas feministas, que essa lei foi revogada. Faz menos de 40 anos.

Se o futebol, para nós, brasileiros, faz parte do DNA, com a feijoada e com a caipirinha, qual parte caberia às meninas na identidade nacional? Torcedoras? O futebol tem sido importante na discussão sobre racismo e questões sociais, e não é diferente quando se trata de gênero.

Ao longo da vida, a relação com o futebol foi sendo alimentada via Pelé, via Santos Futebol Clube, via Copa do Mundo. Não existiam Marta, Formiga e tantas outras mulheres que teriam servido de inspiração para mim. No futebol profissional feminino, as meninas, diferentemente de mim, não se intimidaram diante das divididas, da esculhambação da sua feminilidade e da inevitável comparação com o desempenho físico dos homens.

Mais eis que um amigo me conta a frase dita por sua filha de sete anos, ao sair de partida de futebol com coleguinhas de escola. Anita, que curte se vestir de princesa ocasionalmente, fala rindo: "Pai, tem uns meninos na escola que acham que eu sou de antigamente!". "Como assim, filha?" "É que, quando eu vou jogar futebol, eles falam para pegar leve comigo, que eu sou menina!"

Aos meus detratores, que insinuam que eu não batia um bolão, hoje me encontro, pelos caminhos tortuosos dessas páginas, no mesmo time que Tostão. Quantos poderão dizer o mesmo?! E aos demais, por favor, mirem-se em Anita e não sejam de "antigamente".

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