Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

O erro dos pais

A adolescência é o anticlímax da parentalidade

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Lembro do susto que levei a primeira vez em que assisti ao lançamento de uma nave espacial. Todo aquele aparato gigantesco e fálico emergindo de uma explosão fumacenta em direção ao “infinito e além”.

Qual não foi minha surpresa ao ver a estrutura, antes imponente, despencar deselegante, enquanto uma minúscula cápsula era lançada rumo à história. A nave mãe, ou papai se quiser, nos serve de grosseira metáfora para pensarmos nossa função junto aos filhos adolescentes.

As pessoas se espantam quando afirmo gostar da fase adolescente dos filhos, pois esse período é tido como anticlímax da parentalidade. Momento no qual pais e mães supõem que fizeram tudo errado, sem entender muito bem como, quando e o quê.

Jovens no período da adolescência
Jovens no período da adolescência - loreanto - stock.adobe.com

Cadê o filhinho/filhinha para quem minhas piadas toscas sempre tinham graça, minha inteligência era um fato inquestionável e minha aparência não causava constrangimentos? Onde foi que eu errei?

A fantasia de fracasso pode ser compartilhada em grupos de WhatsApp ou escrupulosamente escondida. Afinal, não é fácil despencar de lá de cima depois de ter ocupado o centro da cena por tantos anos.

Freud dirá, em várias ocasiões, que a grande tarefa da adolescência é superar o jugo da autoridade parental, condição necessária para que os filhos sigam suas vidas sem os pais e possam eles mesmos virem a serem pais —se desejarem.

Em nossa época pensamos filhos muito mais como projetos de retorno afetivo e narcísico do que como sujeitos que terão uma vida própria para enfrentar.

Com a brincadeira da nave espacial, sugiro que filhos são nossos projetos, mas também projéteis a serem lançados na imensidão —como nós mesmos fomos.

E o que não deve faltar na mochila do nosso jovem astronauta?
Primeiro, capacidade de aguentar a revisão contraintuitiva de sua vida. No caso da Terra, trata-se de reconhecê-la redonda, giratória e flutuante, contra a experiência de plano, imóvel e sustentado que temos ao habitá-la. No caso da revisão da família feita pelo adolescente, trata-se de reconhecê-la singular e datada.

É tão duro quanto necessário perceber que as verdades de nossos pais não correspondem a verdades absolutas, sendo sempre uma forma particular de estar no mundo.

Entre infinitos exemplos, que vão desde a língua materna até os hábitos higiênicos, basta lembrar que as famílias podem ser católicas, muçulmanas, umbandistas, judias, ateias...

A família é datada, pois vivemos em uma sociedade que se baseia na quebra das tradições e na revisão permanente de seus valores. O que valeu para os pais —como virgindade feminina ou casamento heterossexual— nem sempre valerá para os filhos.

Mas se “o novo sempre vem”, também é verdade que “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, como nos ensinou Belchior. O básico não muda, desde que somos humanos.

A mochila do astronauta, que, com sorte, lançamos no mundo, vai sendo preenchida desde o dia zero de sua existência com a voz, o olhar, o toque. Essas interações enchem o tanque do bebê de ternura, desejo e linguagem, fazendo frente ao desamparo humano. O investimento respeitoso e amoroso ao longo dos anos dá a base para o que se transmitirá dos valores: ética, respeito, diálogo, conhecimento.

O primeiro erro dos pais é não confiarem no que já colocaram na mochila. O segundo é esquecer que, se por um lado, não podem e não devem tentar percorrer o trajeto que agora é só dos filhos, por outro, pais/mães podem ser —por mais algum tempo— o ouvido que acolhe a frase “Houston, we have a problem”!

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