Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente Todas

O Brasil está pegando fogo; qual é sua posição?

As grandes causas nos conectam com outros e nos fazem sentir menos solitários

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A pandemia demonstrou um fenômeno conhecido da psicanálise. Pessoas que, até então, se queixavam da falta de sentido em suas vidas, deprimidas, sofrendo pânico e outros adoecimentos, viraram a chave de forma radical durante o enfrentamento da crise.

Algumas porque encontraram a desculpa ideal para se afastarem das realidades inóspitas do trabalho, dos amigos ou da família. Outras por uma razão mais fundamental: em tempos de grandes crises humanitárias, muitos são compelidos a tomar uma posição ativa diante de uma causa.

O mecanismo em jogo, que permite que a desolação anterior dê lugar ao entusiasmo e à esperança, se ancora no fato de combinar três fatores: ter um objetivo norteador, ser socialmente valorizado e ter caráter coletivo.

Incêndio de grande proporção no Parque Nacional de Brasília nesta segunda-feira (16) - Pedro Ladeira/Folhapress

Somos seres ávidos por atribuir um sentido à perturbadora experiência de vagarmos num minúsculo planeta do Sistema Solar, autoconscientes de nossa existência fugaz. Daí que o que não é fácil de encarar —esse desamparo constituinte— exija de nós justificativas.

Uma queixa dos adultos, sejam jovens, sejam velhos, tem sido a de terem uma jornada que parece se resumir a produzir e consumir cada vez mais até que não reste nada. Lembrando que, hoje, a mercadoria mais vendida nas redes sociais é a própria vida.

E o que melhor do que a esperança e a glória de ajudar e, talvez, salvar alguém para preencher o non sense que nos habita? Um grande alento para nosso narcisismo é a ideia de que somos capazes de diminuir o sofrimento de alguém.

Não menos importante é o fato de que as grandes causas nos conectam com outros e, portanto, nos fazem sentir menos solitários.

A busca por sentido, por um propósito, e as relações que se formam a partir daí são, a princípio, desejáveis, ainda que saibamos que elas também podem servir para justificar o pior.

No último e eletrizante livro de Emmanuel Carrère, "V13, O Julgamento dos Atentados de Paris", vimos como essas três necessidades humanas —quais sejam, atribuir um rumo à existência, construir laços afetivos e se guiar por um propósito— podem desencadear o horror. O autor descreve o julgamento dos responsáveis pelo massacre terrorista ocorrido em 13 de novembro de 2015, em Paris, no qual 130 pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas.

Entre as justificativas dos acusados está a busca por um "bem" maior, que empresta um rumo para um mundo caótico e injusto; a sensação de estar salvando alguém, no caso os considerados "fiéis a Alá"; e, não menos importante, a experiência de irmandade.

Alguns cúmplices, mais ou menos conscientes dos terríveis atos cometidos, teriam atuado na logística movidos por laços fraternos com os terroristas.

O Brasil se encontra em situação de emergência climática em razão da seca —agravada pela ação e pelo negacionismo humano—, das queimadas criminosas e da ação e omissão de políticos inescrupulosos.

Fica aqui meu apoio irrestrito à ministra Marina Silva, às brigadas contra incêndios e aos cidadãos comuns que tentam detê-lo com as próprias mãos.

Diante dessa crise, a qual prefiro chamar de terrorismo climático, com todas as vidas em jogo, temos chance de escolher uma causa que nos dê sentido e amor-próprio. Basta saber se o faremos em nome da solidariedade ou da destruição.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis

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