Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

A revolução moral de Bolsonaro

Presidente dá ênfase à ideia de que quer purgar país de vícios morais e ideológicos

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Jair Bolsonaro refez promessas de campanha ao tomar posse do governo. Se no princípio está o seu fim, seus primeiros discursos presidenciais dizem muito de suas prioridades. Se isto lá é verdade, haveria adiante um projeto de purificação nacional e de recuperação de tradições perdidas ou pervertidas por ideologias.

Tudo isso pode parecer uma aberração inocente no pior sentido da palavra, uma extravagância que se vai desfazer no ar assim que as tarefas de governo absorverem o novo presidente. Talvez o discurso não venha a passar de propaganda.

Pode não ser o caso. Suponha-se que Bolsonaro seja de fato uma diferença, uma novidade tão grande quanto a revolta e o direitismo que o levaram ao poder. Quais seriam as consequências de o presidente gastar tempo e outros recursos políticos de seu governo na tentativa de purgar o país de seus males?

Pois é disso que se trata. Está lá, posto logo de pronto nos discursos do primeiro dia.

Em um país arruinado, que é preciso "restaurar", "reerguer" e "reconstruir", trata-se de combater a "corrupção, o crime, a irresponsabilidade econômica e a submissão ideológica". Neste primeiro dia, disse no parlatório, o Brasil "começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto".

Ao dar valor à família, às "religiões e nossa tradição judaico-cristã", ao "combater a ideologia de gênero", o Brasil voltará a ser "livre das amarras ideológicas". "Ideologia" e variantes aparecem nove vezes nos dois discursos, quase tanto quanto Deus (12 vezes).

A purificação já teria começado na política, com a montagem de um ministério "técnico", livre de "conchavos políticos". A economia será livre, sem o peso do Estado e ideologias, portanto meritocrática.

As políticas de bem-estar social são mencionadas em um parágrafo, tanto espaço quanto levaram os direitos e elogios dos policiais e do armamento. A economia aparece no terço final do discurso do Congresso, levando pouco mais de 10% das palavras presidenciais.

Palavras de conciliação e união nacional ocuparam pouco mais do que uma frase.

Se Bolsonaro vai transformar imagem em ação, como vai proceder? Vai se contentar em satisfazer suas obsessões de modo tópico, com uma ou outra lei para ele mesmo ver, mas sem impacto geral significativo? Ou não?

Bolsonaro vai se ocupar de reformar extensamente os currículos, vigiar diretores e professores de escola, intervir nas universidades e na pesquisa científica? Vai reformar códigos de garantias de direitos civis a fim de "prestigiar" a polícia e o que entende ser a família universal e tradicional brasileira, além de dar cabo do "politicamente correto"?

O que significa acabar com o "socialismo"? Privatização de serviços sociais? Note-se que são "socialistas" todos os governos dos últimos 30 anos, o que inclui Fernando Henrique Cardoso e até José Sarney. Todas as pessoas de algum modo relacionadas a ideias desses governos ("socialistas marxistas ou fabianos", no dizer bolsonarista) serão expurgadas da vida pública?

As perguntas parecem um absurdo por exagero, mas a culpa não é do jornalista. Pode bem ser que todo esse plano purgante seja apenas diversionismo ideológico, por incompetência ou estratégia. Pode ser que o eleitorado além do bolsonarismo puro-sangue comece a cobrar outras satisfações do governo.

Mas convém observar que Bolsonaro mais uma vez foi coerente ao dizer a que veio, na sua posse.

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