Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Banco Central dos EUA vai financiar governo, empresa, casa, carro e até o cartão de crédito

O Fed vai imprimir dinheiro para emprestar sem limite, juro praticamente zero para evitar quebradeira da epidemia

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São Paulo

O Banco Central dos Estados Unidos, o Fed, tornou-se um Banco Geral. Na prática, vai emprestar dinheiro para o governo, para grandes empresas, para a firma da esquina e para a compra de celular com o cartão. O Brasil? O comando da economia do Brasil sumiu de vez.

O Fed prometeu empréstimos para pequenas e médias empresas. Desde já, vai emprestar os recursos que estão na base do financiamento do mercado imobiliário, do cartão de crédito ou de empréstimos estudantis.

Vai emprestar o dinheiro que financia cidades e consórcios de cidades, escolas ou para certas pequenas empresas que se tomam crédito com ajuda de uma agência estatal.

Prédio do Banco Central americano em Nova York; Fed vai imprimir dinheiro para empréstimo sem limite - Eduardo Munoz/Reuters

O Fed vai imprimir dinheiro para emprestar sem limite. A juro zero ou praticamente zero. Por vezes, com prazo de carência de quatro anos.

Depois disso, resta apenas imprimir dinheiro para doá-lo diretamente. O Fed age para evitar o que pode ser a pior crise americana desde a Segunda Guerra. Faz algo de muito importante e dá a ideia de que existe governo, rumo, alguém no comando, alguém que saiba o que está fazendo.

Parte dessas medidas é similar àquelas adotadas logo depois da grande crise que começou em 2008. Outras, em particular a ajuda direta a pequenas empresas, são novidade.

Seja como for, o Fed vai usar toda a munição de que dispõe. Não é papel de um banco central fazer tais coisas —pelo menos não era até 2008 (mais sobre isso mais adiante).

O Fed vai comprar títulos do Tesouro americano, na mão de particulares, a fim de colocar dinheiro no mercado de crédito, que nos EUA na maior parte não vem dos bancos. Tudo mais constante, tal medida reduz a taxa de juros paga pelo governo para tomar empréstimos.

Na prática, o Fed vai financiar indiretamente o governo.

O Fed vai fazer a mesma coisa com dívidas de grandes empresas com bom crédito. Vai baratear ou ressuscitar o crédito para tais firmas. É um subsídio do Estado para tais companhias.

O Fed vai colocar dinheiro até no mercado de cartão de crédito ou de financiamento de carros. Essas dívidas também se transformam em títulos. Grosso modo: alguém vende títulos para investidores, títulos que rendem o dinheiro pago por devedores do cartão e por compradores de carro financiado.

Com esse dinheiro levantado com a venda de títulos, se financiam compras com cartões e carros, grosso modo. Se esses títulos não têm saída, há menos crédito e crédito mais caro.

Na prática, o Fed, o Banco Central da maior e mais importante economia do mundo, vai financiar o o celular comprado com cartão de crédito.

O Fed tem tomado medidas para colocar dinheiro no mercado de financiamento de curto prazo de empresas financeiras (“repo”) e no mercado de crédito de curto prazo para empresas (notas promissórias).

Esses e outros mercados secaram nas duas últimas semanas. Agora, o Fed desceu para a rua, para a “Main Street” (“Rua Principal”, “Rua do Comércio”) a fim de evitar a catástrofe.

Fed faz agora o impensável

Por que tudo isso é tão excepcional? Não é ou não era papel costumeiro de um banco central (BC) dar crédito a empresas ou mesmo governos.

Um BC moderno basicamente faz o seguinte: 1) Define a taxa básica de juros da economia, aumentando ou diminuindo a quantidade de dinheiro em tese emprestável nos bancos; 2) Empresta a instituições financeiras (bancos e similares) que são saudáveis (solventes), mas enfrentam falta de dinheiro temporária para operar e pagar contas (falta de liquidez), por motivos em tese alheios à vontade dos bancos.

Portanto, o papel central do Fed é de bancos dos bancos, em tempos normais, e o administrador da política monetária, essencialmente da principal taxa de juros da economia. Não é banco para tocar o crédito da economia.

“Embora exista grande incerteza, ficou claro que nossa economia enfrentará graves perturbações. Esforços agressivos devem ser empreendidos nos setores público e privado para limitar as perdas de empregos e rendas e promover uma recuperação rápida assim que as interrupções [por causa da epidemia] diminuírem”, está escrito lá no comunicado do Fed.

Aqui no Brasil, a notícia mais recente que se ouve da ação do governo é o decretinho que legaliza a suspensão dos salários dos trabalhadores, uns trocados do BNDES e uns adiamentos de impostos, “ajudas” que vão apenas virar dívida para empresas quebradas pelo grande paradão da epidemia.

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