Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Mercado já derrubou juros, Banco Central tenta ganhar tempo

Apenas para amainar crise, BC teria de jogar taxa real de juros para zero

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O Banco Central do Brasil indicou que também vai cortar os juros: a crise mundial deve causar mais danos do que uma alta daninha do dólar. 

Entenda-se: taxa de juros menor em tese favorece mais desvalorização da moeda brasileira; um real rapidamente desvalorizado pode provocar alta de preços. Porém, o risco de a economia brasileira travar é maior do que o de termos alguma inflação por causa do câmbio. 

Foi o que o BC disse em nota publicada no fim da tarde desta terça-feira (3). Disse daquele "jeito BC", de contador diplomata fazendo neurocirurgia. Mas disse.

Se o BC vai mexer mesmo na taxa básica de juros, são outros quinhentos. A próxima decisão agendada sobre a Selic ocorrerá em duas semanas. Até lá, o mundo pode ter entrado em colapso financeiro ou ressuscitado para a primavera do hemisfério Norte.

Como se sabe, o BC dos EUA, o Fed, deu um talho grande na taxa básica de juros deles, em reunião extraordinária, o que não acontecia desde a epidemia provocada pela grande finança global, a crise de 2008. 

O BC do Brasil, por sua vez, disse "estamos atentos, mas vai indo que (por ora) eu não vou". Em vez de cortar a Selic, soltou uma nota que, em parte, chancela a redução que já ocorreu na taxa básica de juros na praça financeira.

O mercado já derrubou os juros. Quer dizer, os negociantes no atacadão de dinheiro levaram a taxa básica da praça financeira para a casa de 3,8% ao ano. Na prática, não havia tanta confiança de que o BC baixaria os juros desde o início de dezembro de 2019.

E daí? Caso o BC reduza a Selic de 4,25% para 4% vai fazer diferença notável? Vai aumentar a imunidade contra o choque da desaceleração da economia mundial? Hum.

Desde os anos 1990, a variação do crescimento da economia brasileira está associada em 60% da variação do crescimento da China, pelo menos. Claro que, desde 2012, no mínimo, fazemos besteira suficiente para nos destruirmos sozinhos. Isto posto, uma derrocada chinesa é um problema grande, ainda mais nesta economia brasileira já doente.

O preço das commodities, do ferro, petróleo ou comida que o país vende, vai sofrer. Apesar de uma economia fechada, o Brasil vai sentir ainda a falta de insumos que importa da China para alimentar as fábricas. 

Corremos também algum risco de choque de confiança e de medo em geral, como no resto do mundo: medo de aglomeração, comércios, viagem, feiras etc.

Um corte de 0,25 ponto percentual ou até maior não deve evitar a pancada externa nem diminuir o medo da doença. O BC pode ajudar a conter algum estrangulamento financeiro, que não é visível, por ora. 

No mais, pouco a fazer. A prestar atenção: se as expectativas de inflação não baixarem e o BC tomar medida mais forte (Selic a 3,5%?), a taxa real de juros vai a zero no Brasil.

Muito importante, para nós também, será a atitude dos governos dos países centrais. 

Os bancos centrais deles vão ter de recorrer de novo a políticas ditas heterodoxas. Juros negativos em quase todo o mundo rico tornam nulo o efeito de política monetária convencional. Está na pauta repetir as mirabolâncias para amainar a crise de 2008 (imprimir muito dinheiro, em última instância) e ajudar até pequenos negócios.

Se essa coisa não passar, os governos do mundo rico vão ter de gastar: em obras, no sistema de saúde, nas contas dos doentes e suas famílias (é uma proposta de Elizabeth Warren, senadora democrata e candidata a presidente dos Estados Unidos).

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