Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Sem mutreta, Bolsonaro não terá como pagar pacote eleitoral e aluguel do centrão

Dinheiro para Auxílio Brasil e para emendas parlamentares depende de arranjo nos precatórios

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No que tem de interesse político imediato, o que é o Orçamento federal para 2022?

Não tem dinheiro para aumentar o valor do Bolsa Família ou pagar o benefício a mais gente. Corta-se pela metade o valor das emendas que os congressistas podem destinar a projetos de seu interesse. Subestima-se o aumento de despesas devido ao reajuste do salário mínimo (reajuste apenas pela inflação: não vai haver reajuste real para o salário nem para o piso de benefícios sociais, como os da Previdência). Não prevê dinheiro bastante para o fundo eleitoral que o Congresso quer. É otimista demais quanto ao crescimento da economia.

Ou seja: tende a haver mutreta para acomodar muita despesa politicamente sensível, um arranjo qualquer entre o Congresso, Jair Bolsonaro e a Justiça. Se não houver mumunha, Bolsonaro ficará um tanto mais frito, sem dinheiro para seu pacote eleitoral e para pagar o aluguel do centrão.

De onde vai vir o dinheiro para financiar despesas extras? De algum tipo de moratória disfarçada (calote provisório) dos gastos com precatórios, pagamentos de despesas definidos em sentenças judiciais.

Como quase todo mundo já deve saber, o governo federal tem de pagar R$ 89,1 bilhões em precatórios no ano que vem, despesa imprevista porque a administração Bolsonaro é uma baderna inepta, também no ministério da Economia. Neste ano, essa conta é de R$ 55 bilhões. Para 2022, a previsão dos economistas bolsonarianos era de R$ 57 bilhões. Logo, desapareceu uma oportunidade de gastos de uns R$ 32 bilhões.

Paulo Guedes e turma haviam inventado uma emenda constitucional para dar um calote provisório nesta despesa, entre outras mumunhas para manipular o Orçamento e a dívida pública. Luiz Fux, ministro do Supremo e candidato habitual a pacificador-geral da República dos horrores de Bolsonaro, propôs um arranjo, uma espécie de “teto de precatórios”. Assim, a despesa para 2022 não apenas deixaria de aumentar como diminuiria, para R$ 39 bilhões. De repente, reapareceriam R$ 50 bilhões no Orçamento.

Daria ao menos para dobrar a despesa com o Bolsa Família e completar o dinheiro mínimo que parlamentares querem para emendas. Faltariam alguns caraminguás bilionários, que se ajeitariam com artimanhas e ficções orçamentárias habituais.

O governo, assim, correria ainda menos risco de ser processado, teria o básico de seu pacote fiscal eleitoral e o Congresso não seria culpado de promover zorra fiscal. Isso que é “pacificação” e “harmonia” entre Poderes.

Vai pegar mal em parte de “o mercado”, que, no entanto, em parte já engoliu a mutreta e cobra juros maiores por causa do risco de zorra fiscal. Vítimas do calote podem tentar provocar a Justiça. Parte dessa despesa (com o Fundef, com os estados) talvez seja extrateto (não entra no limite de gastos do Orçamento), como afirma Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente.

Sim, é fato que o gasto com precatórios dar saltos tamanhos é indício de problemas sérios (de incompetência da advocacia do governo, de judicialização indevida de despesas, de arbitrariedade e avanços do governo no bolso dos outros etc.). É certo que, sem aumentar o Bolsa Família, haverá fome ainda mais feia (no curto prazo, quase não há de onde mais tirar dinheiro). De resto, nem é preciso dizer que o dinheiro para investimento “em obras” mingua a quase nada ou que a penúria na ciência, educação e tecnologia será a mesma de 2021.

O problema é que se faz tudo à matroca, por meio de gambiarra politiqueira, o que terá sequelas, como o descrédito e a ruína progressiva do país.​

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