Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu transição de governo

Governo de transição é de alto nível, mas Lula precisa de um ministro da Fazenda já

Pacote de despesas para bancar promessas pode sair do controle

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Luiz Inácio Lula da Silva vai nomeando gente de alto nível para seu governo de transição, como foi até agora o caso sabido de economia, assistência social e educação. Muito bem. Negocia o aumento inevitável da despesa com o Novo Bolsa Família. Aos trancos e barrancos.

No tranco, especula-se que podem aumentar ainda mais a despesa, "tudo pelo social". Não é uma boa ideia deixar uma despesa alta e permanente, logo de cara, para o próximo ministro da Fazenda, o que vai engessar suas opções, para dizer a coisa de modo ameno. Seria conveniente nomear um ministro o quanto antes, alguém com autoridade para acertar o plano com Lula, para a transição e depois.

As contas da "licença para gastar" a mais em 2023 são ainda imprecisas, incompletas, confusas ou, a depender da fonte, francamente malucas. Pelo que se sabe no momento, a ideia é tirar algo como de R$ 175 bilhões a R$ 185 bilhões do "teto de gastos", para fazer o Novo Bolsa Família e algum outro gasto social.

O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), acompanhado de lideranças da esquerda e do PT em declaração à imprensa no CCBB, em Brasília, sede do governo de transição
O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), acompanhado de líderes da esquerda e do PT no CCBB, em Brasília, sede do governo de transição - Pedro Ladeira/Folhapress

No fim das contas, se elas pararem por aí mesmo, esse aumento de despesas social significaria um déficit primário extra de uns R$ 80 bilhões (déficit primário: receita menos despesa, desconsiderado o gasto com juros da dívida).

Levando em conta projeções do projeto de Orçamento para o ano que vem, o déficit aumentaria para 1,4% do PIB. Seria o quinto maior déficit primário desde 1991 (excluído o estouro excepcional do 2020 da epidemia, de 10% do PIB).

Muito? Em 2016, o déficit foi de 2,5% do PIB, recorde, afora o do primeiro ano da epidemia. Michel Temer arrombou o cofre, gastou mais e depois passou a tranca do teto.

O resultado de Temer parece bem pior, mas o país estava no fundo da Grande Recessão. A receita líquida do governo federal era de apenas 17,4% do PIB. Agora, anda pela casa de 19,5% do PIB. A receita recorde foi registrada em 2010, último ano de Lula 2, com 20,2% do PIB.

Ou seja, esse chute de déficit de 1,4% do PIB para o primeiro ano de Lula 3 é bem menor do que os 2,5% do PIB, de Temer. Mas a receita agora é bem maior e as possibilidades de aumentar muito mais a arrecadação são menores.

Para piorar a situação, pede-se mais gasto e Lula 3 pretende abrir mão de receita grande, com a ideia de aumentar a isenção do Imposto de Renda (pessoa física) sem que saiba o que vai colocar no lugar.

Lula pode até conseguir compensar o buraco cobrando mais imposto de mais ricos, por exemplo (se o Congresso deixar). No entanto, o problema agora é como aumentar a receita, a fim de cobrir gastos necessários e conter o déficit, o aumento da dívida pública.

Essa é apenas uma ilustração pequena de um dos problemas que virão adiante. O mais sério deles é inventar um "teto Lula", um modo qualquer de conter o crescimento sem limite da dívida (uma "nova regra fiscal").

Uma boa regra fiscal, crível, apoiada por uma equipe econômica respeitada, com respaldo político de Lula e da coalizão parlamentar, pode compensar o efeito do estouro de despesa nesta virada para 2023. Se o pacote de economistas, regra fiscal e o plano de mudanças econômicas for bom mesmo, é possível até que tenhamos valorização do real, inflação em baixa mais rápida e queda de juros na praça do mercado —se o caldo não engrossar muito na economia mundial. O vento vira.

Neste momento de tensão financeira mundial, o Brasil até que está bem entre os emergentes. A reconstrução das relações exteriores, liderança ambiental e estabilização econômica podem trazer dinheiro.

Para que essa mudança comece logo e a transição não deixe uma bomba para o próximo ministro da Fazenda, é preciso definir uma equipe econômica respeitável o quanto antes.

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