Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu Rússia

Como a economia russa aguentou o tranco da guerra de Putin

Economia vai sofrer menos do que Brasil da Grande Recessão, mas tem futuro sombrio

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Faz quase um ano, a Rússia invadiu a Ucrânia. Em abril do ano passado, bancões, FMI e economistas ouvidos pelo Banco da Rússia (o banco central deles) estimavam que a economia encolheria uns 9% em 2022 por causa da guerra. Não foi assim.

O PIB de 2022 deve ter diminuído 2,1%, estimativa de fevereiro da Economic Expert Group, consultoria que presta serviços ao Ministério das Finanças. Na previsão compilada pelo banco central russo, o PIB cairia 1,5% neste 2023. Seria um biênio de tombo feio: 3,6%. Na Grande Recessão do Brasil (2015-2016), a baixa foi de 6,7%.

Pânico, incerteza, sanções comerciais e o isolamento financeiro imposto pelo "Ocidente" não bastaram para produzir desastre no tamanho previsto. As exportações de petróleo e gás explicam o grosso da resistência econômica russa, mas não tudo.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, particia de evento virtual da Gazprom - Mikhail Metzel - 17.fev.2023/Sputnik/Pool via Reuters

Da arrecadação total do governo no ano passado, 44% vieram da receita com petróleo e gás (impostos e outras rendas). Nos anos de petróleo muito caro de 2012 a 2014, essa contribuição chegou a mais de 51%. Na baixa de preços da epidemia, a 29%.

Em 2022, a arrecadação total aumentou 16% (em termos nominais). O aumento todinho veio dos dinheiros de petróleo e gás.

A crise quase mundial de energia que vinha desde fins de 2021 piorou com a alta de preços causada pela guerra de Putin. Tal carestia compensou até mesmo o fato de que o petróleo russo tenha passado a ser vendido com desconto enorme.

O barril do tipo Urais custava uns US$ 2 (R$ 10) menos que o tipo Brent pouco antes da guerra. Neste fevereiro, o desconto era de US$ 32 (R$ 166) e por aí deve ficar. A vaca leiteira da Rússia deve render menos daqui em diante.

O risco de negociar o Urais derruba seu preço, os europeus estão conseguindo largar a dependência de energia russa e vão acelerar a descarbonização. A infraestrutura para levar petróleo para aliados asiáticos é cara. Índia, China e Turquia não devem absorver o possível excesso, dizem entendidos.

Além do mais, o inverno tem sido ameno, e os europeus conseguiram estocar gás. O mundo rico beira a recessão, o que derrubou preços de commodities em geral (o petróleo está ora mais barato do que antes da guerra).

No entanto, mesmo com preço de commodities em queda e o Urais vendido com desconto, as exportações totais de bens e serviços da Rússia passaram de US$ 550 bilhões (R$ 2,8 trilhões) em 2021 para US$ 628 bilhões (R$ 3,2 trilhões) em 2022. As importações caíram, de US$ 379 bilhões (R$ 1,9 trilhão) para US$ 346 bilhões (R$ 1,7 trilhão).

O saldo dessas contas externas aumentou, claro. Mas, muito importante, as importações caíram pouco. As sanções podem ter impedido a compra de máquinas, partes e peças de tecnologia mais avançada. Mas por ora não parecem ter amputado a capacidade russa de abastecer consumidores e empresas. Mesmo com recessão, a indústria ficou estagnada, caso de copo meio cheio e vazio: a queda na produção de bens "civis" foi compensada pela produção de equipamento de guerra.

Vladimir Putin, digamos com ironia, é um ortodoxo. Seu governo tem superávit (paga despesas correntes e a conta de juros). O Banco da Rússia é independente, pelo menos na lei. Desde 2013, é presidido por Elvira Nabiullina, figura meio lendária na finança mundial e tida como uma das líderes da "ala modernizadora" da elite putinista (do outro lado, estão os tipos KGB, milicos, rasputins conspiracionistas e oligarcas).

A inflação de 2022 foi de 11,9%, ante os 8,4% de 2021. A taxa básica de juros deles era de 9,5% no início de 2022, foi a 20% assim que a guerra estourou, a fim de conter o pânico, e está em 7,5%, para uma projeção de inflação de 6% em 2023 (taxa real menor do que 1,5%, pois). Por falar nisso, a meta de inflação do banco central russo é de 4%.

vinicius.torres@grupofolha.com.br

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