Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Esquerda faz primeiro protesto contra Milei em dia de pacotão e medo de arrocho

Oposição desanimada vai às ruas enquanto presidente deve anunciar decretaço liberal

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A "Unidade Piqueteira", além de outras organizações de esquerda, de oposição e de direitos humanos, vai para as ruas contra Javier Milei nesta quarta-feira (20), um mês e um dia depois da eleição. Também nesta quarta, o presidente argentino deve anunciar em cadeia nacional um plano de desregulamentação da economia, um pacotaço de 200 páginas e 600 artigos, dizem os jornalistas argentinos —sim, a Argentina é o império da intervenção estatal aloprada.

Ninguém da "opinião pública" parece dar muita trela para as manifestações previstas para esta quarta, nem mesmo na esquerda. Nos salões de conversa dessa antiga opinião pública (jornais, revistas, TVs e similares), discute-se é quanto vai durar a "lua de mel" do eleitorado com Milei (os clichês são internacionais).

Presidente eleito argentino Javier Milei faz seu discurso de posse em frente ao Congresso, em Buenos Aires Milei usa costume preto, camisa azul e gravata marinho.
Presidente eleito argentino Javier Milei faz seu discurso de posse em frente ao Congresso, em Buenos Aires - Luis Robayo/AFP

Das providências já anunciadas pelo governo, quase nenhuma ainda faz efeito na vida do dia a dia, afora os aumentos de preços provocados também pela megadesvalorização do peso. Em dez dias, o preço dos combustíveis aumentou mais de 60%, por exemplo.

O corte de gastos prometido faz uma semana vai machucar pessoas comuns, até porque encarecerá energia e transportes, para começar, e diminuirá o valor de salários de servidores, aposentadorias e benefícios sociais. Mas não se sabe ainda como tal plano será levado à prática. Quer dizer, em parte já se sabe: o governo vai deixar a inflação corroer o valor das despesas públicas, salários e benefícios inclusive. Um ajuste fiscal passivo-agressivo, por assim dizer.

Milei foi eleito com essa patranha de que o ajuste seria feito nas costas da "casta" política —e não mencionava a "casta empresarial" (que leva subsídios e isenções de impostos, favores. Onde já vimos isso?). Mas o seu plano de déficit zero vai arrancar o couro dos comuns, como de costume.

Nesta quarta, pode haver mais motivo para irritação.

O pacotaço deve incluir uma espécie de reforma trabalhista, mudanças no serviço público e planos de privatização e concessão de serviços e obras à iniciativa privada. Vai baixar muitas outras "medidas provisórias" (DNU, Decreto de Necessidade e Urgência), que podem ser contestadas constitucionalmente (onde já vimos isso?).

Discute-se também como voltar a cobrar imposto de renda de muita gente —o governo anterior baixou o IR de modo descaradamente eleitoreiro, aliás com o apoio do deputado Milei. O dinheiro do IR é repartido com as províncias (estados), que dizem estar na pindaíba, sem ter como pagar salário, 13º e já ameaçando emitir quase-moedas, vales, como o fizeram a partir da crise de 2001.

Os "piqueteros" são movimentos de esquerda que, desde o final dos anos 1990, fazem protestos por meio do fechamento de ruas e estradas. São a oposição menos desanimada. O peronismo kirchnerista, que ajudou a arruinar o país e levou uma tunda na eleição, está desorganizado e desmoralizado, assim como seus sindicalistas, que passaram quatro anos governo peronista ruinoso no peleguismo. De resto, os peronistas não querem ficar com a imagem de que sabotam o governo Milei. Pelo menos, não agora, enquanto o presidente tem algo entre 48% e 58% de imagem boa ou muito boa, dizem pesquisas (no segundo turno, Milei teve mais de 55% dos votos; no primeiro, 30%).

O governo de Milei diz que vai baixar a repressão nos "piqueteros" que bloquearem ruas e estradas, além de cortar benefícios sociais de quem for pilhado na ação. Pode ser ainda pior, para a esquerda: que o protesto seja pequeno.

Depois, tem Natal, Ano Novo e dia de Reis. E letargia social de verão. Em março, depois de uns 100% de inflação acumulada no novo governo, afora outros dramas, é que se deve saber se o mel político de Milei começou a ser derramado.

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