Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo
Descrição de chapéu férias

Universos incompatíveis convivem no meu caótico acervo de lembranças

Suvenir após suvenir, me dou conta de que tenho objetos preciosos, que no dia a dia passam por mera decoração

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Dois lêmures de madeira pintados à mão, Antananarivo, Madagascar. Uma telha em miniatura também pintada à mão, Siena, Itália. Um pequeno frasco cheio de areia recolhida em Timbuktu, Mali. Maquetes de casinhas encontradas em Sewell, Chile. A réplica de um celular antigo em madeira, Maputo, Moçambique. Um elefante de prata, Rajastão, Índia. Um minirrelevo do monte Kinabalu, Bornéu. A reprodução de um ícone do mosteiro Visoki Decani, Kosovo.

Passo os olhos pela estante no meu escritório, de onde escrevo este texto, e vou rememorando histórias por trás dos suvenires. E quando me deparo com uma réplica da torre Eiffel me dou conta de que estou frente à frente com lembranças das minhas viagens.

Está na própria palavra que define esses objetos, que em francês ainda é um verbo: “se souvenir” significa “lembrar”. Isso mesmo, o suvenir é a própria lembrança. E ela é tudo que eu tenho nesses tempos em que ainda não podemos viajar.

Suvenires da Torre Eiffel à venda em Paris, na França
Suvenires da Torre Eiffel à venda em Paris, na França - Eric Gaillard/Reuters

Lembra quando a gente fazia planos para o segundo semestre de 2020? Quando adiamos nossas férias só “por alguns meses” contando com uma solução rápida para nos tirar da quarentena? Pois agora já fazemos esse cálculo em anos...

Não sou pessimista. Pelo contrário, guardo o desejo de que possa passar o final do ano em Paris —uma “tradição” que inventei com alguns amigos e que completaria dez anos. Mas rego esse projeto com um conta-gotas de moderação.

Para não me perder em frustrações resolvi então me apegar à minha coleção de suvenires. Sim, são muitos. Sim, são preciosos. O mais importante talvez, a placa de um barbeiro que trouxe da feira de Roque Santeiro em Luanda, Angola, onde se lê “Salão de Confiança: Entra Feio Sai Bonito” (cuja história já contei aqui neste espaço há dois anos).

Mas cada um deles é importante para mim, das areias de Timbuktu (tecnicamente, do próprio deserto do Saara), que decidi levar depois de uma crise de choro pelo fato de eu ter chegado num lugar onde sempre sonhei visitar; às casinhas de Sewell que me remetem a um dos destinos mais fascinantes que conheci, esse vilarejo colorido que brilha numa montanha de neve como uma árvore de Natal enfeitada.

Há muito mais suvenires, muito mais histórias. Por exemplo, o pavão bordado em negro sobre vermelho, um trabalho raro de se encontrar em Luan Prabang, no Laos, e que tive que convencer um senhor a me vender com uma conversa de mais de duas horas.

Encontro em cima de uma pilha de livros uma tenda em miniatura, um pequeno “yurt”, que ganhei de uma família que me hospedou nas noites que dormi no deserto da Mongólia. E ao lado dela a reprodução de um cadeira de couro que trouxe do Museu Vitra em Berlim.

Universos incompatíveis convivem na minha caótica coleção: um dado de sal trazido de Uyuni, na Bolívia e um colar de contas da cultura Maasai, no Quênia; uma réplica das estupas do templo de Borobodur, em Java (Indonésia) e uma coroa de conchas trazida de Funafuti, Tuvalu; um ursinho igual ao do Mr. Bean que me lembro de ter trazido de Londres e uma cesta usada para a pesca no lago Inle, Mianmar; um micro oratório encontrado em Cusco, Peru, e um chapéu bordado de Omã.

Suvenir após suvenir, me dou conta de que tenho um acervo precioso de lembranças, que no meu dia a dia passa por mera decoração. Mas que é como um livro de registros de experiências bem vividas.
São histórias, pessoas, sabores, céus estrelados que me vêm à memória só de olhar essas coisas e, embora a primeira sensação que vem seja a de orgulho, tenho que lutar para não deixar se instalar a melancolia de não ver no horizonte a possibilidade de revivê-las tão cedo.

Tenho é que acreditar que logo vou deixar minha estante ainda mais cheia e bagunçada!

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