Exaltada por Doria, bandeira com marca infringe lei Cidade Limpa

Com apoio da prefeitura, instituto espalhou pela cidade bandeiras do Brasil com anúncios

. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, COTIDIANO)
Bandeiras do Brasil na ponte Cidade Jardim - Danilo Verpa/Folhapress
Guilherme Seto
São Paulo

O prefeito João Doria (PSDB) pegou carona na moda cívica que culminou no impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016 e, ao lado de aliados, passou a apoiar a exibição de bandeiras do Brasil em ruas de São Paulo. Diversas dessas peças, porém, têm sido acompanhadas de propagandas irregulares, segundo órgãos públicos responsáveis.

A CPPU, órgão municipal de regulação da paisagem urbana, notificou a prefeitura neste mês por identificar infração à lei Cidade Limpa na instalação de bandeiras do instituto "Eu Amo o Brasil", parceiro da atual gestão.

O Condephaat, conselho estadual de preservação do patrimônio, fará o mesmo por ver infração ao tombamento na colocação das bandeiras.

O instituto, presidido pelo advogado José Marcelo Braga Nascimento, fez parcerias com a prefeitura para instalar os objetos. O EAB investe na compra, instalação e manutenção das bandeiras em troca da exposição de sua marca e do escritório de advocacia que o sustenta, o Braga Nascimento e Zilio.

Na ponte Cidade Jardim está o exemplo mais flagrante. Faixas com os nomes e as marcas do instituto e do escritório dividem o espaço da ponte com as bandeiras do Brasil e placas de trânsito.

A lei Cidade Limpa, que entrou em vigor em 2007 para combater poluição visual, diz que "a instalação de anúncios é proibida em (...) pontes, passarelas, viadutos e túneis."

Em dezembro, Paulo Mathias, prefeito regional de Pinheiros, gravou vídeo comemorando as bandeiras.

"A gente sabe que o Brasil tem um povo aguerrido, trabalhador, que não aceita mais o populismo (...) Hoje a ponte deixa de ser apenas a Cidade Jardim para virar a ponte do Brasil" , disse, acompanhado do advogado.

A secretaria de Urbanismo e Licenciamento afirma que a CPPU notificou as prefeituras regionais de Pinheiros e Butantã sobre a necessidade de regularizar os elementos de comunicação visual na ponte Cidade Jardim.

Ao tratar do tema em reunião da CPPU, o então presidente do órgão, Luis Brettas, disse que "a notificação dá ciência ao prefeito regional", que precisaria tomar atitude, senão se trataria de "improbidade administrativa".

No sábado (11), Doria tirou Brettas do cargo. Causou irritação na gestão municipal o veto da CPPU a propagandas gigantes em megatrio elétrico com Cláudia Leitte e Daniela Mercury no final de janeiro.

Conhecida como "mãe" da Cidade Limpa por ter sido a criadora da lei, a arquiteta e urbanista Regina Monteiro assume a presidência da CPPU.

TOMBAMENTO

Na avenida Brasil, uma das principais e mais valorizadas da cidade, 28 bandeiras foram colocadas nos canteiros. Ali, a contrapartida não foram faixas, mas anúncios do EAB e do escritório de advocacia nos pés de cada um dos mastros.

Nesse caso, a infração está no local de inserção das bandeiras. A avenida está no perímetro dos Jardins, região composta por bairros tombados, como Jardim Europa e Jardim América. A sede do Braga Nascimento e Zilio fica na rua Estados Unidos, a algumas quadras da avenida.

O conselho de patrimônio do Estado, o Condephaat, confirmou à Folha que não foi consultado antes que a intervenção fosse feita e que enviará notificação à prefeitura regional de Pinheiros.

"Não recebemos documentação relativa à instalação e será enviado ofício à regional de Pinheiros para apresentar esclarecimentos, justificativas e o projeto para regularização. O tema será submetido à apreciação e deliberação do colegiado do Condephaat, que detém a prerrogativa de aplicação de eventuais sanções", afirma o órgão.

As bandeiras foram inauguradas com a presença de Doria, que chamou o dia 6 de agosto de data marcante.

"É a primeira das bandeiras na avenida que leva o nome da nossa pátria. É retomada do sentimento de respeito pelos símbolos brasileiros."

A gestão tem repetido problemas com a Cidade Limpa.

Em agosto de 2017, autorizou a instalação de 12 placas publicitárias na avenida Brasil, uma das vias mais importantes da cidade. As placas, porém, eram muito grandes e estavam em desacordo com a Cidade Limpa.

Em setembro do mesmo ano, instalou um totem em formato de coração e com a inscrição SP na porta da sede da Prefeitura de São Paulo, em referência ao programa de zeladoria Cidade Linda, prioridade de Doria. O totem também estava em desacordo com a lei.

Em dezembro, a árvore de Natal oficial da cidade, fruto de parceria entre a prefeitura e a empresa Coca-Cola, foi instalada com elementos que haviam sido reprovados previamente pela CPPU.

Os três episódios foram revelados pela Folha e resultaram na retirada das placas e dos itens da árvore.

OUTRO LADO

A gestão João Doria (PSDB) se comprometeu a regularizar as faixas na ponte Cidade Jardim e disse ainda não ter sido notificada pelo Condephaat sobre as infrações na avenida Brasil.

"A prefeitura esclarece que as doações das bandeiras aconteceram sem contrapartida da administração municipal e foram recebidas mediante termo de doação."

Segundo a gestão Doria, "as prefeituras regionais receberam a notificação da CPPU (Comissão de Proteção a Paisagem Urbana)" em razão das "faixas na ponte Cidade Jardim", e não especificamente às bandeiras, e "realizarão a fiscalização e as adequações no local".

Em relação a outra irregularidade com placas na avenida Brasil, apontada em 2017, a prefeitura diz que a notificação "foi atendida pelos agentes" da regional, que removeram o material.

"As regionais estão à disposição da comissão e aguardam orientações quanto às fiscalizações da lei Cidade Limpa. Até o momento não foram recebidas notificações do Condephaat", afirmou, em nota.

Sobre a saída de Luis Brettas da presidência da CPPU, a prefeitura disse que ele continuará como superintendente de projetos na SPUrbanismo, mas não comentou se ele foi retirado do cargo pelos desgastes recentes com a gestão Doria.

Procurado pela Folha e informado das notificações às prefeituras regionais, o advogado José Marcelo Braga Nascimento disse que não está "sujando" a cidade e que as autorizações para instalar as bandeiras vieram dos prefeitos regionais.

"Somos patriotas e suprapartidários. Não temos ligação com PSDB ou com qualquer outro partido. O Doria apenas se sensibilizou."

"Nos tempos do meu pai, respeitava-se a bandeira e cantava-se o hino", disse.

"Não tenho interesse de publicidade. Zero. Eu amo o Brasil. Se colocar bandeira do Brasil é cidade suja... Como que você pode ser contra instalar bandeira do Brasil? (...) Estou colocando bandeira nos CEUs também. É um orgulho (...) Se quiserem me combater, podem combater. Vão para Cuba ou para a Venezuela", afirmou.

Ele disse não saber quanto o escritório investe na compra, instalação e manutenção das bandeiras, mas afirmou que "não foi pouco dinheiro".

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