Haddad e Doria engavetaram projeto de 'Nobel da arquitetura' no Ibirapuera

Arquiteto Paulo Mendes da Rocha, 89, havia sido contratado para dar nova cara ao parque

Rogério Gentile
São Paulo

Marquise vermelha na entrada do auditório Ibirapuera, com céu ao fundo
Projeto de Paulo Mendes da Rocha promoveria adequações no entorno do auditório do parque Ibirapuera - Avener Prado/Folhapress

Fernando Haddad (PT) e João Doria (PSDB) têm algo em comum além do cargo de prefeito de São Paulo: ambos desprezaram um projeto para o parque Ibirapuera elaborado por Paulo Mendes da Rocha, o mais premiado arquiteto brasileiro vivo.

Vencedor em 2006 do Pritzker Prize, espécie de Nobel da arquitetura, Mendes da Rocha, hoje com 89 anos, foi contratado em 2015 pela gestão Haddad para dar uma "nova cara" ao parque, com a revitalização do Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, a Oca, e das suas adjacências.

O contrato de R$ 680 mil foi assinado em 18 de dezembro de 2015. No mês de janeiro seguinte, R$ 102 mil foram pagos ao arquiteto, que tem no currículo, entre outros trabalhos, o Museu Brasileiro da Escultura, o Sesc 24 de maio, o ginásio do clube Paulistano e a reforma da Pinacoteca.

O anteprojeto foi apresentado em 29 de março. No mês seguinte, ou seja, apenas 120 dias depois da contratação, ainda na gestão do petista, tudo começou a mudar.

Ao alegar falta de recursos, a prefeitura suspendeu o contrato e engavetou o estudo elaborado por Mendes da Rocha. Um ofício com menos de 60 palavras foi enviado a ele.

"Comunicamos pelo pressente que, em face de dificuldades de empenho dos recursos destinados aos pagamentos relativos ao contrato nº 19/SMC-G/2015, a partir desta data ficam suspensos os serviços de projeto objeto do referido contrato", dizia o documento de 16 de abril.

O texto não garantia a continuidade do projeto: "Informamos que, no caso da retomada dos trabalhos, os prazos para a realização dos produtos ainda pendentes serão estabelecidos por termo aditivo de contrato".

pá de cal

Em dezembro passado, a gestão Doria, que pretende conceder o parque para a iniciativa privada, colocou uma pá de cal no assunto, decidindo rescindir o contrato com o arquiteto em razão também da "falta de recursos".

"Essa situação revela uma vergonhosa falta de planejamento e um desrespeito ao trabalho intelectual", afirma Lúcio Gomes Machado, professor aposentado de História da Arquitetura da USP e diretor do escritório GMMA. "Agiram como se estivessem comprando batatas", diz.

Neste mês, a Folha teve acesso ao estudo "perdido" de Mendes da Rocha, que hoje se encontra num arquivo da Secretaria de Cultura.

O arquiteto previa resgatar a ideia original de Oscar Niemeyer, transformando numa praça o estacionamento que hoje existe entre a Oca, o Auditório Ibirapuera e a extremidade norte da marquise.
Feita com piso permeável, a praça passaria a funcionar, de fato, como a entrada principal do parque.

O acesso pelos portões 1 e 2 seriam reformulados, destinando-se exclusivamente aos pedestres. A entrada passaria a ter a sua extensão delimitada por duas pequenas marquises idênticas, hoje subutilizadas e descontextualizadas pelas mudanças que ocorreram ao longo dos anos.

A nova praça e a reformulação da entrada, bem como a readequação do sistema viário que deriva da avenida Pedro Álvares Cabral, permitiria uma maior integração entre o parque e a área verde do Obelisco, segundo o memorial descritivo do projeto.

pavilhão

O documento preparado por Mendes da Rocha também faz recomendações para o pavilhão de exposições, a Oca, tanto do ponto de vista arquitetônico como de suas instalações técnicas.

O arquiteto propôs, por exemplo, a remoção "de elementos estranhos à sua linguagem arquitetônica", que foram adicionados desde a última grande reforma, efetuada no ano de 1999.

Cita entre esses elementos paredes de drywall que delimitam um espaço justaposto ao auditório "atrapalhando a legibilidade do salão de exposições do subsolo".

Sugeriu ainda a construção de um túnel de comunicação do subsolo com a área externa, "sem ofender a arquitetura do edifício", a fim de possibilitar aos usuários da Oca uma segunda rota de fuga.

Procurado para comentar a suspensão e a posterior rescisão do contrato, o arquiteto não concedeu entrevista.

outro lado

A Secretaria Municipal de Cultura da administração João Doria (PSDB) diz que, ao rescindir o contrato com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, "apenas formalizou uma decisão que já havia sido tomada na gestão passada, que suspendeu o projeto por falta de recursos".

A secretaria afirma, no entanto, que o "estudo desenvolvido pelo arquiteto não está descartado e que poderá ser implantado a qualquer tempo, pois o que foi produzido não está perdido".

Nabil Bonduki, secretário de Cultura da gestão Haddad (PT), afirma que o projeto de Mendes da Rocha não havia sido descartado pela administração passada. "Estava apenas suspenso", diz. "O equivoco foi a atual gestão decidir romper o contrato."

Bonduki afirma que a suspensão da contratação não ocorreu por falta de recursos. "Não sei como foi justificado oficialmente, mas não era uma questão de verba", diz. "A situação financeira da prefeitura era difícil, mas valor não era estrondoso. Talvez fosse complicado fazer a obras naquele momento, mas o projeto era possível."

Segundo ele, a prefeitura precisou suspender o contrato em razão da necessidade de aprovação do projeto preliminar nos órgãos responsáveis pelo patrimônio histórico. "A suspensão ocorreu para paralisar os prazos contratuais enquanto aguardávamos às aprovações."

Ele diz também que a suspensão era necessária para que se fizessem projetos complementares com outros escritórios (de hidráulica e drenagem, entre outros). "Esses projetos iam ser bancados pelo Instituto Itaú Cultural, que, com a aproximação da eleição, preferiu adiá-los a fim de dialogar com a gestão seguinte", afirma.

Bonduki afirma ainda que o orçamento deixado para a gestão Doria previa recursos que poderiam ser utilizados na retomada do contrato assinado com Paulo Mendes da Rocha. 

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