Gigante de SP, Heliópolis terá regularização paga de lotes, e morador reclama 

Morador de favela pagará R$ 8.000 por cada terreno, parcelado em até 30 anos

Paulo Gomes
São Paulo

Um programa de venda de terrenos aos moradores vai acelerar o processo de regularização das terras da favela de Heliópolis, uma das maiores da cidade de São Paulo.


Em visita à comunidade, no último sábado (17), o prefeito João Doria (PSDB) anunciou a comercialização por valores considerados simbólicos. A expectativa é que a maior parte de Heliópolis esteja regularizada até o final da atual gestão, em 2020.

Para a prefeitura, a legalização da propriedade das áreas invadidas permitirá a melhoria na estrutura e nos serviços públicos oferecidos na região. Apesar dos benefícios anunciados, quem mora há décadas na comunidade não vê a oferta com simpatia.

Líderes comunitários dizem que os anos vividos à margem do poder público mais do que pagam o direito às terras. "É covardia dizer que [o terreno] não é meu", diz o empresário e líder local Luciano Celestino, 42, desde 1986 em Heliópolis. "A gente que construiu tudo", diz Heleno Manoel dos Santos, 57, eletricista automotivo.

Segundo a Cohab, empresa municipal de habitação, 93% dos lotes da primeira região a ser comercializada sairão por até R$ 8.000 o terreno, com parcelas de no mínimo R$ 150 por mês e financiamento em até 30 anos. Nessa primeira etapa, a maior, serão 996 lotes, totalizando uma área de 95 mil m². A comunidade, em última contagem de 2010, tinha pouco mais de 41 mil moradores —e cerca de 12 mil lotes no total.


Para oferecer esses valores, a Cohab abateu 76% do preço de mercado. "Quem vai pagar pelos anos que eu fiquei morando com rato, no esgoto, sem saneamento?", diz o comerciante e conselheiro local Emerson Santana, 43, há 40 na comunidade, onde é conhecido como Macarrão.

Com o título de propriedade, o morador poderá dar entrada para obter a escritura do imóvel e, enfim, ser dono do local em que vive. O processo de regularização é apenas voltado aos terrenos, não às edificações —uma segunda etapa, pela qual não haveria novo financiamento.

Os moradores receiam esse passo. "Se regularizar as construções, a escritura vai ser pelo preço da casa", diz Macarrão. "O prefeito vai largar o mandato e quer me vender? Com quem eu vou falar depois [de fechar o negócio]?", questiona, numa referência à candidatura de Doria ao governo do estado, que o obrigará a deixar a prefeitura no início de abril.

A regularização fundiária foi uma das 118 promessas de campanha de Doria. Confrontado com o problema da habitação, o então candidato a prefeito disse ser "justo, humanitário e correto". O tucano afirmou na época que "mais barato do que construir é oferecer a condição de legalidade para essas pessoas que já têm ali as suas casas".

parceria

Apesar da declaração, concomitante ao anúncio da comercialização dos terrenos aos moradores, o prefeito anunciou também o lançamento de licitação para uma PPP (Parceria Público-Privada) de moradia no local, com 8.000 unidades habitacionais. Parte delas, segundo a Cohab, será utilizada para abrigar famílias que terão que ser desalojadas com obras de intervenção na comunidade.


O presidente da Cohab, Edson Aparecido dos Santos (PSDB), fala em "desadensar" a favela para, com isso, "reurbanizá-la". Na prática, isso implicaria na remoção das famílias que moram em áreas consideradas de risco ou onde há maior aglomeração de construções irregulares.

"Por essa viela não passa um sofá", diz Macarrão, apontando primeiro para uma viela de um metro de largura e depois para uma idosa em uma cadeira de rodas, atrás do portão de uma casa. Recuos e obstáculos nas vielas dificultam a chegada de serviços e a passagem de móveis, eletrodomésticos e pessoas com mobilidade reduzida.

Também representante comunitário, o educador Manoel Otaviano, 54, olha para a laje de uma casa que cobre a viela. "Não passa nem ar."

Segundo Aparecido, a CET deve abrir vias de trânsito no local. Mas ele nega a hipótese de reintegração de posse em Heliópolis, como tem circulado em boatos na comunidade para eventuais casos de inadimplência após o contrato.

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