Jéssica não para quieta. É só se distrair um pouco que a bebê de dois anos e dez meses corre para chutar a bola ou subir nas cadeiras. "Jéssica, volta com a tia", pedem as fisioterapeutas no Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, em São José do Rio Preto, interior de São Paulo.
A desenvoltura da menina com a prótese, que ganhou em janeiro, era uma cena impensável para a mãe adotiva, a policial angolana Elisa Tunguica, de 35 anos.
Na terra natal, Elisa recebeu dos médicos a sentença de que a menina nascida sem parte da perna esquerda só poderia testar uma prótese aos seis anos de idade.
Mas Jéssica supera qualquer previsão desde o nascimento, como a Folha publicou em 2016.
Foi achada no lixo por acaso, depois que a bola de uma pelada de garotos caiu perto de onde ela estava, entre sacos plásticos em um lixão de Cabinda, na Angola.
A bebê tinha marcas de picadas de insetos pelo corpo —estaria havia dias ali.
A policial soube da história e foi conhecê-la no hospital para onde foi socorrida.
Jéssica já tinha recebido alta, mas estava em um berço. Esperava ser adotada por alguém. Foi amor à primeira vista, conta Elisa.
A jornada entre a adoção em Angola e a prótese recebida no interior paulista parte da inquietude de Elisa.
PRIMEIROS PASSOS
A policial pesquisou hospitais no Brasil e, no início de 2016, conseguiu uma consulta em São Paulo com um ortopedista infantil.
A orientação foi oposta à dada na África: a cirurgia precisava ser imediata.
Entre juntar dinheiro e mais pesquisas, soube do atendimento pelo SUS. Quis entrar na fila pelo interior, prevendo uma espera menor.
Deu certo. Acompanhada por uma equipe do Hospital da Criança e Maternidade e do Instituto Lucy Montoro, Jéssica passou por uma cirurgia, em junho de 2017.
Precisou amputar parte da perna que não se desenvolvia para ficar apta a receber uma prótese, e assim poder andar —o que ocorreu em janeiro.
ARTESANAL
"Por ser uma criança, a prótese teve que ser feita sob medida e artesanalmente para que se ajustasse ao corpo, que ainda é muito pequeno, sem causar incômodos ou que machucasse ela", diz o médico João Henrique Agostinho.
A menina usa o aparelho de três a quatro horas por dia, e faz sessões de fisioterapia duas vezes por semana.
Apesar de estar com a prótese há pouco tempo, Jéssica já se acostumou a ela. Independente, a criança corre, pula e brinca de bola. Não para um minuto.
"Estamos fazendo o treino de marcha e ensinando a Jéssica subir obstáculos, mas a recuperação e adaptação dela estão rápidas. Hoje, já anda normalmente e faz tudo que uma criança da idade dela faz", diz a fisioterapeuta Kamila Prates Passos.
Ter vindo para o Brasil, diz Elisa, foi sua melhor decisão depois de dizer sim a Jéssica, naquele hospital em Angola.
"Ainda bem que não me conformei com o primeiro diagnóstico. Ver a Jéssica brincando e correndo como uma criança normal é mais do que a realização de um sonho, é ver que minha menina superou tudo e está vencendo."
A família pretende voltar para Angola no fim deste ano, onde Jéssica vai dar sequência ao tratamento.
"Vamos voltar para casa, mas nosso vínculo com o Brasil e São José do Rio Preto nunca acabará", afirma a mãe. "E voltaremos sempre para visitar todos que nos ajudaram nessa batalha."
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