Boato sobre construção de motel em SP mobiliza moradores em área nobre

Proprietários negam que terreno perto do Villa-Lobos será usado com esse fim 

Angela Pinho
São Paulo

"Você acha normal um motel neste local?" 

A faixa feita por moradores dá a medida do alvoroço instalado na pacata rua Pedralva, em Alto de Pinheiros, desde que teve início uma obra no número 88.

Obra ao fundo, próxima ao número 88 da rua Pedralva, está embargada pela prefeitura regional por irregularidades
Obra ao fundo, próxima ao número 88 da rua Pedralva, está embargada pela prefeitura regional por irregularidades - Avener Prado/Folhapress

De um lado, vizinhos dizem ter receio de que, se construído, o imóvel traga barulho, prostituição e até criminosos à via de cerca de 300 metros no miolo do bairro, na zona oeste de São Paulo.

De outro, os proprietários dizem que o local não será nem nunca foi planejado para ser um motel, mas sim um conjunto residencial, e que a suposição de que o endereço teria esse uso nada mais é do que uma "cortina de fumaça" para impedir a construção.

A obra, hoje embargada, fica em um terreno de 465 m² na rua, a pouco mais de cem metros do parque Villa-Lobos.

A área foi adquirida pelo casal de médicos Sérgio e Maria Elisa Nonno nos anos 1960. Posteriormente, passou para uma empresa da família, a M2R Empreendimentos, que vende e aluga diversos imóveis na capital paulista. Uma das sócias é a própria Maria Elisa —Sérgio já morreu.

O projeto foi aprovado pela prefeitura em 2016, após cinco anos de tramitação, e diz: "Alvará de aprovação de construção nova" e, na linha abaixo, "flats e apart hotel".

O advogado da M2R, Fabricio Amatucci, afirma que a anotação é de responsabilidade exclusiva da Prefeitura Regional de Pinheiros, pois a intenção da família sempre foi construir ali um edifício com apartamentos de pequeno porte para locação, possivelmente para estudantes da Cidade Universitária, do outro lado da marginal.

Abaixo-assinado

Não é o que dizem, porém, os outros moradores, que têm se organizado em apelos ao Ministério Público, à prefeitura regional e em abaixo-assinado online. A peça, intitulada "Motel em Alto de Pinheiros, NÃO!!", já conta com 1.722 assinaturas.

No ano passado, a obra foi embargada pela prefeitura regional por irregularidades na construção, como uma escada que não existia no projeto e área permeável suprimida sem permissão. Uma multa de R$ 220 mil foi aplicada.

A empresa entrou com ação para reverter a decisão, mas a Justiça entendeu que não havia irregularidade na autuação, em decisão proferida em setembro de 2017.

Neste ano, os vizinhos voltaram a se mobilizar, afirmando que a obra foi retomada. 

Segundo o advogado da M2R, funcionários foram à construção só para corrigir as irregularidades apontadas pela prefeitura regional.

Em nota, a gestão João Doria (PSDB) afirmou que foi três vezes ao terreno mas não constatou a retomada da obra.

A vizinhança não se convenceu e intensificou a coleta de assinaturas, com apelo a famílias com filhos em colégios próximos, como Rainha da Paz e Santa Cruz. "Temos muitas crianças que vão a pé à escola", diz o advogado e morador Eduardo Sampaio, 57. 

Segundo ele, o objetivo é evitar que aconteça na via algo parecido à região do Butantã perto do Jockey, na zona oeste, onde haveria prostituição perto de motéis.

De acordo com ele, a informação de que o terreno daria lugar a um motel partiu "da rádio peão". "Os funcionários [da própria obra], quando descobriram, falaram para os guardas da rua, para as pessoas, que aquilo, na verdade, era um motel", conta.

E, para ele, as características condizem com as de um motel, como não ter pia fora do banheiro. A defesa dos proprietários nega e diz que todas as unidades terão uma cozinha, só não construída ainda porque a obra foi barrada. 

A empresa fez também declaração em cartório de que o local não terá essa finalidade nem a de hotel ou outro uso de "alta rotatividade".

"A senhora Maria Elisa é uma médica aposentada de 83 anos que nunca teve vínculo com nada parecido com motel", afirma o advogado.

Motel ou não, por trás da disputa está uma particularidade do zoneamento do local. Desde 2016, ali é uma zona estritamente residencial. Quando o projeto do número 88 foi aprovado, porém, tratava-se de zona mista, com comércio e conjuntos liberados.

"Se prevalecer a ideia de que o uso da época do pedido é que vale, poderão fazer o que quiserem ali", afirma o morador Sampaio. Ele alerta que a interpretação seria um risco ao zonamento do bairro todo, loteado nos anos 1930 com características residenciais.

O advogado Amatucci afirma que a prefeitura regional cede à pressão dos moradores por questões políticas. Ele diz ainda que quem quiser --inclusive os moradores ao redor-- pode comprar a área ou já firmar contrato de locação dos futuros apartamentos. 

Seja qual for o desfecho, a convivência entre vizinhos promete ser tumultuada.

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