Obras de arte do metrô de São Paulo definham com vandalismo e abandono

Museu subterrâneo tem trabalhos como de Tomie Ohtake e Francisco Brennand

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Um dos quatro painéis da obra “Quatro Estações”, de Tomie Ohtake, tem pastilhas soltas e estrutura comprometida pela umidade na estação Consolação
Um dos quatro painéis da obra “Quatro Estações”, de Tomie Ohtake, tem pastilhas soltas e estrutura comprometida pela umidade na estação Consolação - Zanone Fraissat - 18.dez.17/ Folhapress
São Paulo

“Te amo Mary”. “Te amo Carlão”. As duas mensagens seriam românticas se não fossem marcas de vandalismo em uma obra de arte.

Quase 20 anos depois de pronta, a instalação “Caleidoscópio”, que ocupa 80 m² da estação Brás do metrô de SP, na linha 3-vermelha, virou uma lousa para recados amorosos. Coraçõezinhos não faltam.

Projetada pela artista plástica Amélia Toledo (1926-2017), a instalação é composta por 25 chapas de aço inox curvadas que formam um labirinto. Quem faz o percurso se depara com a própria imagem distorcida, um efeito semelhante ao de um caleidoscópio —o que explica o nome da obra.

Tereza de Almeida, 61, funcionária da limpeza que passa os dias varrendo a estação, fica triste toda vez que se embrenha pelo “Caleidoscópio”. “É um negócio que existe para a gente meditar e veja como isso está. Falta consciência e sobra descaso”, afirma.

Não é caso isolado. A Folha conferiu de perto o estado de conservação de todas as obras de arte do metrô que, ao longo de quase 40 anos, vem se firmando como o maior museu subterrâneo da capital. Veja aqui onde encontrar as obras

São 91 obras de arte espalhadas pelas linhas 1-azul, 2-verde, 3-vermelha e 5-lilás. 

Além do vandalismo, muitas peças definham pela ação da umidade, do abandono e da inexistência de ação coordenada da estatal do governo paulista para restaurá-las.

O filho de Amélia e também artista plástico, Moacir Toledo, 65, conta que a mãe morreu sem saber que o único trabalho dela exposto no metrô estava depredado. “Ela ficaria desolada com isso”, afirma.

A esfera de ferro do artista plástico Marcos Garrot, 53, na estação Santos-Imigrantes, da linha 2-verde, também acumula nomes e rabiscos —mesmo estando na mira de câmeras.

O panteão de artistas plásticos que assinam murais, painéis, óleos sobre tela e esculturas dão relevância à coleção —e tornam o problema da falta de conservação e do vandalismo ainda mais sérios.

Uma nova obra é apresentada ao Metrô pelos próprios artistas, que assumem os custos de produção. A manutenção da coleção fica com a companhia. A primeira obra artística começou a ser feita em 1979 
—11 anos após a empresa ser criada e cinco anos após iniciar a operação do sistema.

Quem ainda não esteve no Recife tem a chance de ver de perto o “Pássaro Rocca”, de Francisco Brennand, 90, no meio da estação Trianon-Masp, da linha 2-verde.

Ao sair da estação Ana Rosa (linha 1-azul), o usuário do metrô fica de frente com figuras de barro que lembram uma multidão. São as 80 esculturas de Lygia Reinach.

Para a estudante de direito Laura Póvera, 22, as peças tornam a arquitetura das estações menos sombria. “Por aqui tudo é muito cinza. Mas diante delas [obras de arte], eu sempre abro um sorriso”, diz ela, apontando para a “In Vitro”, uma instalação com 42 peças de vidro coloridas no  Anhangabaú (linha 3-vermelha), de Mário Fraga.  

 

Para visitar o acervo é preciso muita paciência, tempo e senso de direção para achar os trabalhos que estão diluídos por escadas, tetos, saguões das plataformas e até escondidos atrás de elevadores, caso do mural de Maurício Nogueira Lima (1930-1999), na estação Santana (linha 1-azul).

O Metrô paulista até disponibiliza em seu site oficial um guia online com o nome do artista, a técnica utilizada, o ano de inauguração da obra e onde ela está exposta. Mas as referências ligadas à localização são muito genéricas.

No Brás, a Folha levou uma hora para encontrar o mural “Tribuna da Criança”. Após se perder pelo prédio, a reportagem descobriu que a obra está cercada por grades. Para ver de perto o trabalho, foi preciso descer quatro lances de escada em uma passagem onde só os servidores do Metrô têm permissão para circular.

Nem Tomie Ohtake (1913-2015) escapou do descaso. O único trabalho da dama das artes plásticas do país na rede de metrô também padece.

Tomie assina as “Quatro Estações”, um conjunto de megapainéis multicoloridos que dão uma sensação de movimento à parede cinza da estação Consolação, da linha 2-verde, por onde circulam os vagões no sentido Vila Prudente.

Ela usou micropastilhas em tons que lembram as estações do ano: verde (primavera), amarelo (verão), azul (outono) e vermelho (inverno). ​

Inaugurada em 1991, a obra hoje escancara um abandono. Muitas pastilhas caíram sobre os trilhos e deixaram buracos visíveis. E há um problema mais grave: a infiltração.

Segundo Vitória Arruda, diretora de produção do Instituto Tomie Ohtake, uma vistoria externa recente constatou que a umidade, se não contida, pode danificar a obra.

“Esse é o maior problema no momento. A água corre atrás dos painéis toda vez que uma ducha é ligada para lavar a estação. O reparo não depende de nós, mas do Metrô”, diz.

A infiltração também segue prejudicando trabalhos de colegas de Tomie na linha 1-azul, que concentra a metade do acervo. Rachaduras e mofos estão tomando conta dos murais de Maurício Nogueira Lima, na estação São Bento, e Odiléa Toscano (1934-2015), na estação Paraíso, além dos painéis de David de Almeida (1945-2014), na Conceição.

Medida mais drástica tomou o artista Antonio Peticov, 72, quando viu seu painel que homenageia o escritor Oswald de Andrade pichado, em 2010, na entrada da estação República, da linha 3-vermelha. Acompanhado do sobrinho e munido por um lavador a jato, um escovão e muito sabão, o próprio artista apagou a tinta preta jogada sobre a obra.

“Se eu fosse esperar pelo governo, meu painel continuaria daquele jeito, todo pichado.”

A museóloga Cecília Machado, da Fundação Escola de Sociologia e Política, afirma que o metrô não tem a finalidade de ser um museu, “mas, já que ele tem um acervo valioso, é preciso adotar uma estratégia de comunicação para tornar o passageiro um aliado na preservação”.

OUTRO LADO

O Metrô diz que está elaborando um edital para este ano para contratar empresa especializada em restauração de obras artísticas.

Sem informar quanto será necessário investir, a estatal afirma que apenas por meio da iniciativa será possível recuperar a instalação vandalizada de Amélia Toledo, os painéis de Tomie Ohtake e os demais murais afetados pela umidade.

Mais especificamente sobre a infiltração que atinge os painéis de Tomie, o Metrô diz que a estação Consolação (linha 2-verde) foi revitalizada, e a água que escorria entre as peças da artista foi contida.

Também afirma que segregou a visitação ao mural “Tribuna da Criança”, localizado em local reservado para funcionários na praça externa da estação Brás, para “evitar a ocupação do espaço por moradores de rua”.

A estatal destaca ainda que as obras são escolhidas e distribuídas pelas estações a partir do parecer técnico de um conselho consultivo formado por representantes do MAM (Museu de Arte Moderna) e do Masp (Museu de Arte de São Paulo), entre outros.

O Metrô diz que o roteiro online disponível à população é claro e preciso sobre a localização do acervo.

Questionado sobre a estrutura de segurança que mantém para proteger a coleção pública de arte, o Metrô disse que possui 1.100 agentes treinados e 4.473 câmeras de monitoramento nas estações e nos trens. Apesar dessa vigilância, nenhum suspeito envolvido nos atos de vandalismo foi identificado até hoje.

“A boa conservação das obras de arte em toda a cidade, e não somente no metrô, depende da colaboração e respeito às artes pela população”, afirma a companhia em nota.

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