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Vovós do Paraná atuam como mães temporárias de crianças sob risco

As irmãs Jacira e Alba já cuidaram de 200 crianças encaminhadas pela Justiça

As irmãs Jacira Bueno Machado, 75 (de óculos), e Alba, 70, à esquerda, com seus filhos em Campo Mourão (PR)
As irmãs Jacira Bueno Machado, 75 (de óculos), e Alba, 70, à esquerda, com seus filhos em Campo Mourão (PR) - Carlos Ohara/Folhapress
 
Carlos Ohara
Campo Mourão

As irmãs Jacira Bueno Machado, 75, e Alba, 70, desempenham a função de mães temporárias de crianças e adultos em situação de risco, deficiências físicas ou em tratamento de saúde. O espaço usado é a própria casa delas, em Campo Mourão, no interior do Paraná.

Com guarda temporária, no caso de menores de idade, e tutela, em relação aos adultos, concedidas pela Justiça, as duas irmãs não sabem exatamente quantas pessoas já passaram pela casa onde moram em Campo Mourão. “São mais de duzentas, mas nunca contei. Para mim, eles nunca foram números, mas sim membros da família”, diz Jacira, que oficialmente adotou em definitivo quatro crianças. A última delas há seis anos. 

O trabalho de ser mãe postiça das irmãs é exercido há 44 anos. Atualmente oito pessoas são criadas na casa delas, quatro com deficiências mental, de locomoção e de visão. A faixa etária vai de seis a 47 anos. O tratamento e despesas dos filhos, incluindo remédios e até despesas particulares com médicos, são custeados com pensões pagas a ela e à irmã.

No final dos anos 1990, moradores da cidade, empresas e entidades passaram a auxiliar com doações a elas. Jacira perdeu uma filha com um ano de idade, vítima de uma doença degenerativa —“que até hoje não sei o nome”, diz ela.

Depois de um curso por correspondência de costura, emendou outro de auxiliar de enfermagem. Começou a trabalhar em dois hospitais da cidade. Logo ganhou a confiança dos pacientes e era tratada como comadre. ”A maioria era ‘boia-fria’ que não sabia nem mesmo tomar o medicamento. Viviam em fazendas em situação de miséria e tinham dificuldade em permanecer na cidade. Muitas crianças acabavam morrendo após passar pelo hospital”.

Com a situação, ela passou a se oferecer para ficar com algumas crianças na própria casa, até que o tratamento delas terminasse e pudessem voltar a suas famílias, na zona rural. Foi o início do trabalho voluntário. Com o tempo, algumas famílias das crianças recebidas na casa voltavam para buscá-las, mas outras desapareciam. As irmãs foram ficando com elas.

Jacira então decidiu assumir de vez o papel de mãe. Procurou o juiz da cidade e conseguiu a guarda provisória dos que estavam com ela. A Justiça fez mais ainda. Passou a enviar para a casa das irmãs menores em situação de risco. “Talvez os que deram mais problema, pois não se adaptavam como família”.

Jacira e Alba nunca quiseram o título de entidade ou de uma organização não governamental para receber auxílio financeiro. “Não somos uma entidade. Somos uma família. Isto aqui é a casa de uma família. Jamais trocaria isso por dinheiro.”, diz Jacira.

Alba cuida da casa e não gosta de aparecer. Jacira também cuida dos “filhos”, vai a médicos, mantém contato com a comunidade e cuida da contabilidade. Semanalmente, Jacira leva um dos “filhos” para Curitiba (a 460 km de Campo Mourão) para atendimento em hospital especializado. 

Vai dirigindo um veículo, modelo Doblô ano 2014, comprado em parcelas. Como usa prótese em uma das pernas, o uso da embreagem a incomoda na viagem de oito horas pela estrada. “Quero tentar comprar agora um veículo igual, mas automático, para cansar menos”.

No fórum local, conta ela, o promotor da Vara de Infância e Juventude, Luciano Rahal, se preocupa com a idade avançada de dona Jacira e a continuidade do trabalho. Jacira sorri e diz que se preocupa com o fato, mas diz que não sofre por antecipação. “Afinal, nada aqui foi planejado. Me perguntam se fiz promessa. Nada, foi por impulso e amor por esta grande família”.

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