Membros da máfia do ISS são condenados a penas que somam 154 anos de prisão em SP

Fiscais davam descontos em certificados de obras em troca de propina

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O auditor Ronilson Rodrigues, 55, acusado em esquema que desviou milhões da prefeitura - Bruno Santos/Folhapress
São Paulo

A Justiça condenou sete acusados de integrar a máfia do ISS em São Paulo a penas que, somadas, superam 154 anos de prisão, além de ordenar a devolução de R$ 8 milhões e de imóveis adquiridos no período em que vigorou esse esquema de cobrança de propina em troca de descontos no imposto municipal.

A decisão se refere ao principal processo da máfia do ISS (segundo o Ministério Público, há mais de 30 em curso, envolvendo estas e outras pessoas), descoberta há quase cinco anos, após investigação da Controladoria Geral do Município e que, segundo a Promotoria, desviou mais de R$ 500 milhões entre 2007 e 2013. 

Todos os condenados poderão recorrer em liberdade.

Apontado como chefe do esquema, o ex-subsecretário da Receita Municipal Ronilson Bezerra Rodrigues foi condenado a 60 anos e sete meses de prisão, por crimes como formação de quadrilha, associação criminosa, concussão e lavagem de dinheiro. Ele também precisará pagar R$ 3,5 milhões e terá confiscados os imóveis que adquiriu.

A máfia do ISS foi descoberta no final de 2013 após investigação da Controladoria Geral do Município. O esquema, segundo a Promotoria, desviou mais de R$ 500 milhões do cofre municipal. Em troca de propina, empreiteiras obtinham descontos no pagamento do ISS (Imposto sobre Serviços) para a concessão do Habite-se pós-conclusão de obras imobiliárias. Mais de 400 inquéritos foram abertos.

O ex-auditor fiscal Luís Alexandre Cardoso de Magalhães foi condenado a 43 anos de reclusão por quadrilha, concussão, associação criminosa e lavagem, além do pagamento de R$ 3,437 milhões e confisco de imóveis. Os dois já tinham sido condenados antes e poderão recorrer da sentença em liberdade.

Na sentença, a juíza Luciane Figueiredo disse que, embora sejam tecnicamente réus primários, Rodrigues e Magalhães tiveram a pena majorada em um quarto do mínimo previsto por conta do comportamento exibido. 

"O réu denotou personalidade desvirtuada, manipuladora e calculista, desprovida de freios morais, com grave ruptura de caráter e crença na impunidade", anotou a magistrada em relação aos dois. "Explicitou desmedida ganância e desejo de fácil enriquecimento, indiferente à elevada reprovabilidade moral e social das condutas criminosas."

A juíza ainda disse que eles não demonstraram "mínimo traço de arrependimento por qualquer de seus atos". No total, a Justiça determinou a perda de mais de R$ 8 milhões e dos imóveis adquiridos pelos condenados no período investigado.

A investigação, diz o Ministério Público, surgiu da "incompatibilidade material do patrimônio dos fiscais", que ganhavam entre R$ 15 mil e R$ 18 mil, mas tinham patrimônio avaliado em até R$ 25 milhões.

No último mês, Ronilson  disse em entrevista à Folha que seu acordo de delação premiada não foi aceito pelo Ministério Público por ter se recusado a envolver no escândalo o ex-prefeito Gilberto Kassab (2006-2012). A Promotoria negou a acusação.

Para o promotor Roberto Bodini, é "impossível que esse grupo tenha operado e tenha agido durante todo esse tempo sem que tivesse o apoio político para que isso funcionasse." Ele evitou falar no nome de Gilberto Kassab (PSD), no entanto, e afirmou que não pode investigar pessoas com foro privilegiado —o político é ministro da Ciência e Tecnologia do governo Temer (PMDB). Em setembro, o STF aceitou arquivamento do inquérito contra o ministro por falta de provas.

"Quando a gente fala em apoio político, existe uma maior dificuldade na apuração de responsabilidade dessas pessoas que não operam diretamente cobrando, recebendo, mas possuem uma função extremamente importante que é a de dar o amparo", afirmou Bodini.

Responsável pela fiscalização na gestão Kassab, Ronilson Rodrigues seria o cérebro do esquema. O núcleo principal também incluía os ex-fiscais Carlos Augusto di Lallo, Eduardo Horle Barcellos e Luís Alexandre Cardoso de Magalhães. Os quatro foram presos em outubro de 2013.

Carlos Augusto di Lallo Leite do Amaral foi condenado a nove anos e sete meses de prisão, mas também com direito a regime aberto com monitoramento eletrônico porque delatou. 

Eduardo Horle Barcellos foi condenado a nove anos, mas teve direito a regime aberto com monitoramento eletrônico, porque fechou acordo de colaboração premiada.

Entre os outros réus, Amilcar José Cançado Lemos foi condenado a 24 anos e sete meses de prisão por concussão, quadrilha e lavagem.

William de Oliveira Deiró Costa foi condenado a um ano e quatro meses em regime aberto.

Henrique Manhães Alves, único entre os condenados que não era fiscal, foi condenado a seis anos e nove meses de regime semiaberto. Segundo a Promotoria, Alves ocultava em Minas Gerais o patrimônio de Ronilson adquirido de maneira irregular.

Todos podem recorrer em liberdade. 

A defesa de Luís Alexandre Cardoso de Magalhães afirmou que só vai se pronunciar "após a leitura detalhada da decisão que contém mais de 300 laudas". A reportagem tenta contato a defesa dos outros condenados, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. ​


Como funcionava a máfia do ISS, que ocorreu ao menos desde 2007 e foi descoberta em 2013

1. Licença
Empresas entravam na prefeitura com pedido de Habite-se, uma licença de ocupação para seus empreendimentos

2. Cálculo
Os fiscais calculavam o ISS (Imposto sobre Serviços), que é requisito para a expedição do Habite-se, acima do preço real

3. Cobrança 
Os fiscais ofereciam desconto sobre o valor do ISS calculado e pediam uma parcela do dinheiro

4. Liberação
Uma vez que a parcela era paga, a certidão de quitação do imposto era liberada

- Cerca de R$ 500 milhões foram desviados dos cofres da prefeitura pelo esquema, segundo o Ministério Público
- 410 construções teriam pago propina para obter desconto no ISS
- Mais de 400 inquéritos relacionados ao esquema foram instaurados
- 24 processos foram abertos contra Ronilson

OS PRINCIPAIS ACUSADOS

​​CRONOLOGIA DO CASO

Revelação do esquema 
Máfia do ISS é descoberta em out.2013 pela Controladoria Geral do Município; 4 auditores, incluindo Ronilson, são presos e depois soltos

Secretário afastado
Antonio Donato, secretário de Governo de Haddad (PT), se demite em nov.2013, após suspeita de ligação com os fiscais; processo contra ele depois foi arquivado por falta de provas

Kassab citado
Em depoimento em jan.2014, testemunha protegida diz ter ouvido de Ronilson que o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) recebeu dinheiro da Controlar, o que não foi provado

Condenação
Ronilson é condenado em abr.2017 a dez anos de prisão por lavagem de dinheiro, junto a outras 4 pessoas; no mês seguinte, ele e sua mulher são presos

Kassab arquivado
Em set.2017, Procuradoria-Geral da República pede arquivamento do inquérito contra Kassab por falta de provas; STF aceita

Delação premiada
Ronilson decide colaborar e apresenta lista de nomes a serem delatados, mas Ministério Público recusa o acordo

Outra condenação
Justiça condena sete pessoas, Ronilson entre elas, a penas que somam 154 anos de prisão

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