Craques da bocha da nova geração mantêm tradição

Na modalidade, Brasil lidera em dez categorias o ranking da Federação Internacional

Ana Caroline Martins, 29 anos, vice-campeã mundial de bocha, garçonete e motorista
Ana Caroline Martins, 29 anos, vice-campeã mundial de bocha, garçonete e motorista - Jardiel Carvalho/Folhapress
William Cardoso
São Paulo | Agora

​O Brasil lidera em dez categorias o ranking da Federação Internacional de Bocha. Mas, além do prestígio no exterior, entre os amadores também há verdadeiras lendas do esporte, os “bambambãs das canchas” instaladas em São Paulo. Com eles, não tem jogo perdido.

Seja por influência dos pais, talento ou até mesmo para pagar dívidas, os mestres da bocha paulista se interessaram pelo esporte há décadas e, desde então, não deixaram mais de praticar.

“Meu pai e o meu avô me levaram à bocha. Eles vendiam ovo em caminhão, chegavam para almoçar e depois jogavam na cancha do [já extinto] 1º de Maio da Vila Prudente”, diz o motorista Kleber Santos Murcia, 39. Ele tem no currículo os títulos de oito campeonatos brasileiros, mais de 15 Paulistas e de 20 Regionais. Sem se gabar, Murcia diz que perdeu a conta das conquistas. “Dei sorte, porque comecei em um clube tradicional. Aprendi no meio de feras.”

Paixão

Os brasileiros são líderes na modalidade “mundial”, mas é na “rafa” (de rafada, pancada na bola) que a paixão pela bocha foi despertada para a maioria. É o mais próximo do esporte amador, com bolas maiores e mais pesadas, lançadas por idosos e, cada vez mais, por jovens.

Com 42 anos, morador de Avaré (267 km de SP), o caminhoneiro Luciano Augusto Borba é outro jogador apontado como “bambambã” pelos adversários. Ele deu os primeiros passos na cancha ao fazer dupla com o pai, aos 11 anos. “Tem muitas pessoas que jogam bem, mas dizem que a gente erra um pouquinho menos que os demais”, afirma, com a modéstia característica dos astros da bola pesada.

A bocha é um esporte praticado entre duas equipes. Cada uma tem direito a seis bochas na modalidade trio, quatro de duplas (duas a cada atleta), e quatro também na modalidade individual.

Zé do Salto é chamado de ‘Pelé’ do jogo no país

Quem ouve falar no mecânico de manutenção aposentado José Mazzer, 70 anos, pode não associar o nome à pessoa. Mas, no mundo da bocha, o senhor de bigode e cabelos brancos continua como a maior lenda já produzida nas canchas nacionais. Trata-se de Zé do Salto, apontado por dez entre dez grandes jogadores como mito.

Zé do Salto recebe com modéstia a enxurrada de elogios e considera os adversários como companheiros. “Sou muito amigo do pessoal. Não zombo e não maltrato ninguém. Mas jogo para ganhar”, diz.

O “Pelé da bocha” começou a praticar o esporte há cerca de 50 anos. De lá para cá, além do respeito, coleciona troféus e viagens por Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

“Faz diferença a inteligência. A gente sempre aprende. Ele tem uma visão a mais das jogadas”, diz outro craque, Luciano Augusto Borba, 42, que já foi rival e também formou dupla com a lenda. Zé do Salto se recupera de cirurgia no fêmur, feita em dezembro, e está disposto a seguir no trono de “rei das canchas”.

Motorista é a ‘Marta’ das canchas

Assim como tem um “Pelé”, a bocha paulista também conta com uma “Marta”. Ana Caroline Martins, 29 anos, foi vice-campeã mundial em duplas, no ano passado, na Polônia, repetindo um feito conquistado individualmente em 2015, quando jogou na Itália. Fora as adversárias, ela também venceu o preconceito contra mulheres no esporte.

“Ainda tem muita gente preconceituosa. Os homens não aceitam perder para uma mulher. Estamos tentando conquistar o nosso espaço na bocha”, afirma Ana Caroline.

Além de atleta, Carol, como é conhecida entre os demais jogadores, complementa a renda como garçonete e também motorista de veículo por aplicativo. “Tenho até vídeos no celular para mostrar para os passageiros”, conta a bambambã da bocha entre as mulheres.

As conquistas de Carol no exterior foram na modalidade mundial, mas é na “rafa” que a caminhada da atleta começou. “O meu pai foi técnico de uma equipe em Valinhos. Minha mãe acompanhava, eu entrava na cancha para brincar”, afirma. “A bocha é minha vida. tenho até uma tatuagem no braço”, diz.

Disputa ajuda a pagar dívida de jogo

Nem só de grandes feitos esportivos vivem os jogadores. Faturar uma grana extra ou buscar nas canchas o dinheiro suficiente para quitar dívidas acumuladas no baralho também está no roteiro desses heróis improváveis.

Com as cartas na mesa, João Batista Brizola, 63 anos, nunca foi tão bom quanto com a bola na mão. O resultado foi perder caminhão, sítio e uma vida confortável por causa do vício em baralho. A solução encontrada foi jogar bocha como se não houvesse amanhã, procurando canchas onde as partidas valem grana. “Você aprende na marra para não ficar sem dinheiro”, diz.

Em 2012, depois de um atropelamento, viu a perna direita encurtar 2,3 cm, o que o obrigou a mudar o estilo de jogo. Segundo outros mestres, ele se adaptou. “Estou vivendo das malícias que aprendi na estrada.”

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