O capitão do Corpo de Bombeiros Leonardi Farah, 34, atuou na tragédia de Mariana (MG), em 2015, e integra o grupo de bombeiros que desde sexta-feira (25) trabalha nas operações de resgate das vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho (MG). Nos últimos três dias, os bombeiros não localizaram sobreviventes na região, mas, segundo o bombeiro, o empenho é o mesmo também para localizar os corpos.
"Nesse momento em que já começa a diminuir a chance de encontrar sobreviventes, o que a gente quer é que a família tenha, no final desse ciclo de vida [do desaparecido], um final digno. A gente quer levar um conforto, para que não fique aquela dúvida se aquilo aconteceu ou não, se a pessoa está lá ou não", disse o capitão à Folha. "Encontrar o corpo para nós é muito importante, muito importante. A gente não deixa ele por lá, não. A gente quer que a família tenha, nesse final de vida [dos familiares], algo digno para eles."
Nos últimos cinco anos, o Corpo de Bombeiros mineiro trabalhou em três rompimentos de barragem. O primeiro em 2014, da Herculano Mineração, matou três funcionários da empresa na região de Itabirito. Em novembro de 2015, a tragédia em Mariana deixou 19 mortos e um rastro de destruição na região do vale do rio Doce. Além disso, um pouco antes, em julho de 2014, na época da Copa das Confederações, também houve a queda de um viaduto, em Belo Horizonte (MG), que deixou duas pessoas mortas e 23 feridas.
Um ano antes de Mariana, o Corpo de Bombeiros havia criado uma unidade especializada nesse tipo de emergência, o Bemad (Batalhão de Emergências Ambientais e Respostas a Desastres), no qual Farah coordena um grupo de 50 bombeiros. Em Brumadinho, ele passou a supervisionar um número muito maior, pois o Bemad foi reforçado por militares por outros batalhões dos bombeiros mineiros e de outros estados.
Segundo Farah, esses episódios levaram a um amadurecimento das técnicas e procedimentos dos bombeiros. "O Bemad funciona mais entrosado, acho que a palavra é essa. A gente já sabe de algumas coisas que vão ocorrer. O nosso planejamento está antecipando os problemas que vão surgir", disse Farah. "A gente vem, ao longo do tempo, se preparando. Todas essas ocorrências vêm deixando a gente mais sábio."
A equipe em Brumadinho trabalha em condições extremas, em um ambiente de areia, pedra e lama, na qual às vezes os bombeiros mergulham até o pescoço. No retorno das missões, são acompanhados por médicos e psicólogos. Os sobrevoos são arriscados porque muitas vezes os helicópteros não conseguem pousar e os militares tem que sair dos aparelhos a baixa altura.
Nascido em Belo Horizonte e nos Bombeiros há 15 anos, o capitão disse que a sequência de rompimentos de barragens no seu estado deveria levar a uma tomada de consciência das pessoas envolvidas em todo o processo do setor minerário.
"O que penso é que a gente precisa ter responsabilidade sobre as vidas humanas. A gente precisa que as mineradoras tenham os planos de contingência, com certeza ninguém quer que isso aconteça, mas é preciso, e os órgãos envolvidos precisam estudar maneiras, que isso não ocorra mais."
Farah disse que as principais duas ocorrências das quais participou, em Mariana e Brumadinho, são "de alta complexidade que envolvem todos os recursos" humanos e técnicos. Em ambas, ele disse ter vivido experiências que o marcaram. Em Brumadinho, foi ter participado do salvamento de pessoas encontradas ainda na lama, lutando para não se afogar. Até o último domingo, os bombeiros contavam sete casos de pessoas resgatadas na lama.
Em Mariana, o episódio que mais marcou Farah foi a decisão de evacuar os moradores do distrito de Bento Rodrigues, do qual dois terços foram devastados pela lama da barragem rompida do Fundão. "A lama estava vindo ainda, a gente chegou antes da lama numa cidade e a nossa decisão foi descer [de helicóptero] e evacuar a cidade inteira mesmo com o risco de a gente morrer. A gente evacuou uma cidade inteira com mais de 200 pessoas e conseguimos tirar todas as pessoas, ninguém teve baixa lá. Foi uma decisão rápida, acredito que em 20 minutos."
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.