Descrição de chapéu Tragédia em Brumadinho

Cobrir tragédia é sofrer junto, mas também exigir responsabilização

Repórter Carolina Linhares chegou a Brumadinho na madrugada de sábado (26)

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A repórter Carolina Linhares observa estrago causado pela lama em Brumadinho - Eduardo Anizeli/Folhapress
Brumadinho (MG)

Quando deixei o posto de correspondente em Minas Gerais, há dois meses, não imaginava que voltaria ao estado tão rápido e muito menos para uma segunda edição do rompimento da Samarco em Mariana (MG). Inaceitável que tenha acontecido outra vez.

Ao saber do rompimento da barragem da Vale pela assessoria de imprensa do Corpo de Bombeiros, achei que seria algo pequeno. Vira e mexe há incidentes do tipo, porém menores, em Minas. Infelizmente a expertise dos bombeiros vêm também da experiência.

Cheguei a Brumadinho (MG) na madrugada de sábado (26) e me deparei com vários ônibus no centro que a Vale montou para atender vítimas. Um motorista me disse que os ônibus transportavam os trabalhadores da Mina Córrego do Feijão diariamente, mas naquele dia haviam sido chamados para levar desabrigados aos seus hotéis.

“Então hoje de manhã vocês levaram o pessoal na mina?”, perguntei. Sim, foi a resposta. “E não voltaram para buscar?”. Não. O tamanho da tragédia ganhava contorno.

Ao amanhecer a lama estava no horizonte. E cobrir a tragédia implica proximidade com o sofrimento. Eu vi uma mulher desabar ao receber uma ligação do IML. Vi um pai perder a esperança ao consultar uma nova versão da lista e ver que o filho continuava sumido. Vi corpos pendurados em helicópteros com os pés para cima.

Quem perdeu tudo, mas sobreviveu, vai viver o calvário dos atingidos. Talvez eles não saibam, mas eu sei, pela experiência de cobrir Mariana.

Reunião na comunidade. Comissão de representantes. Auxílio emergencial. Cadastro. Dano psicológico. Indenização. Palavras que ecoam em Brumadinho e estão na boca dos moradores da Bacia do Rio Doce há mais de três anos.

Quero crer que vá ser diferente —justamente porque a comunidade já começa a entrar nessa rotina de exigir direitos. Quero crer que o Ministério Público não vá ter que refazer o acordo entre governo e mineradora anos depois, como ocorreu com Mariana. A hora de garantir punição e reparação é agora.

A cobertura em Brumadinho também me lembrou do modo particular de agir das assessorias de imprensa de mineradoras, que conheci durante o período de correspondente e que só pode ser fruto de algum treinamento especial baseado em uma visão míope do interesse público, da liberdade de imprensa e do papel do jornalismo no Estado democrático de Direito.

“Aqui você não pode entrar”, “não fomos autorizados a dar entrevistas”, “a resposta para essa pergunta eu não tenho”. Só que a verdade sempre vem à tona, e esta Folha revelou que o plano de emergência da Vale assumia que refeitório e área administrativa seriam engolfados. Mesmo com a sirene que não houve.

Nessa cobertura, a batalha que eu perdi não foi chorar quando eu deveria engolir e trabalhar. A minha derrota foi ter que desmentir fake news sobre um cenário de centenas de mortos e desaparecidos, a prova cabal de que não há razoabilidade nesse ambiente e que praticar o jornalismo sério é remar contra a maré.

Inaceitável que tenha acontecido outra vez. Remaremos mais forte.


 

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