Descrição de chapéu Alalaô

1912: O ano em que o Carnaval foi adiado, e o Rio brincou duas vezes

Morte do Barão de Rio Branco deveria adiar a folia, mas foi motivo para dose dupla

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Rio de Janeiro

Ao Barão do Rio Branco é atribuída a seguinte frase: “Existem no Brasil apenas duas coisas realmente organizadas: a desordem e o Carnaval”. A morte do barão comprovou que ele —ou quem tenha sido o autor— estava certo. Ao menos na segunda parte.

Chanceler brasileiro desde 1902, José Maria da Silva Paranhos Júnior morreu aos 66 anos, em 10 de fevereiro de 1912, um sábado. Faltava uma semana para o Carnaval. No mesmo dia, o jornal A Noite, do Rio de Janeiro, publicou notícia intitulada “O Carnaval não será adiado”, desmentindo o que se falava na cidade.

“Festa do povo, é ao povo que cabe adiar ou não o Carnaval”, afirmou ao vespertino o presidente Hermes da Fonseca.

De acordo com pesquisa da historiadora Débora Paiva Monteiro para sua dissertação de mestrado “O Sonho de Todo Folião —Um Ano com Dois Carnavais”, apresentada em 2012 na UFF (Universidade Federal Fluminense), não há registro na imprensa de outra declaração do presidente até o fim da polêmica.

Porém, pressionado pelos que achavam desrespeito fazer farra em meio ao luto, o governo transferiu o período oficial da folia para os dias em torno do fim de semana de 6 e 7 de abril. Faltou combinar com o povo, que não deixou ir de às ruas em fevereiro —e voltou a elas dois meses depois.

foto antiga
Imagem do livro "Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco" - Reprodução

Mas não era nada contra o barão, figura amada no país e que morreu por causa de problemas renais. Ás da diplomacia, ele tinha sido responsável por conquistas como fazer do rio Oiapoque a fronteira do Amapá com a Guiana Francesa, diferentemente do que a França desejava; derrotar a Argentina na disputa por territórios que se integraram a Paraná e Santa Catarina; e tornar brasileiro o Acre, pagando a Bolívia para encerrar a querela.

Essas vitórias foram importantes no estabelecimento das fronteiras do país e, por tabela, no esboço de uma ideia de identidade nacional. Não se disparou um tiro. Advogado, jornalista e escritor, tendo entrado para a Academia Brasileira de Letras em 1898, ele era bom com as palavras. Estranharia chanceleres beligerantes em relação a alguns países e servis diante de outros.

Foi cotado para ser presidente da República, mas declinou. Era um monarquista, como mostra sua preferência por ser chamado de barão, título que ganhou no fim do Império e remetia a seu pai, o Visconde de Rio Branco.

Em respeito à sua memória e à decisão do governo, muitos cordões, blocos e ranchos cancelaram seus desfiles. Chegou-se ao sábado, 17, e a imprensa exprimia dúvidas sobre o que aconteceria nas ruas. De acordo com o noticiário, o primeiro dia não foi movimentado como os que abriram Carnavais anteriores, mas à noite já fervilhava a avenida Central —que no dia 21, a Quarta-Feira de Cinzas extraoficial, seria rebatizada avenida Rio Branco.

No domingo e na segunda-feira, os jornais testemunharam que a alegria se espalhava pelos bairros do Rio. Eram poucas as vozes a afirmar que não havia Carnaval. Uma delas foi a do cronista Paulo Barreto, mais famoso pelo pseudônimo João do Rio. “Não há diversão carnavalesca, porque não há bailes, nem préstitos, e não há também a vida normal da cidade, de modo que a impressão da cidade é de uma desoladora tristeza”, escreveu ele na “Gazeta de Notícias” do dia 19. Como anota Monteiro em sua dissertação, ele ainda aconselhava os leitores a ficar em casa. Tarde demais.

 
Na mesma data, saiu em A Noite: “A gravidade duma esperada segunda-feira circunspecta derretia-se lamentavelmente ao calor estonteante da loucura carnavalesca que ia invadindo a Avenida. Havia então Carnaval? Desde ontem que há Carnaval”.

Seria constrangedor para o marechal Hermes da Fonseca assumir que a esbórnia triunfara sobre o luto e que, portanto, os festejos de abril podiam ser cancelados. Eles foram mantidos e se revelaram ainda mais intensos do que os de fevereiro, pois aos foliões independentes se somaram todas as instituições momescas que haviam respeitado a decisão governamental. Coube ao presidente virar alvo de uma quadrinha cruel:

Com a morte do barão

Tivemos dois carnavá

Ai, que bom, ai que gostoso

Se morresse o marechá

O Barão do Rio Branco permanece respeitado como o patrono da diplomacia, e o instituto que forma diplomatas se chama Rio Branco. Mas, por três vezes, recebeu a duvidosa homenagem de ter o rosto ilustrando notas de dinheiro. A de mil cruzeiros, lançada em 1978, ficou tão popular que, ainda hoje, há quem chame mil reais de “um barão”. Hoje, sua efígie está na moeda de 50 centavos. Com ela não se compra uma bala no Carnaval da avenida que leva o seu nome.​

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