Descrição de chapéu The New York Times

Diferenças no modo de guardar uma arma podem salvar vidas

Mais de 14 mil crianças e adolescentes americanos foram mortos por armas de fogo nos últimos dez anos

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Aaron E. Carroll
The New York Times

Legisladores e proponentes da segurança de armas de fogo frequentemente enfocam como as armas são compradas. Mas muitas vidas poderiam ser salvas, especialmente vidas de crianças, se fosse dada mais atenção a como as armas são armazenadas.

Mais de 14 mil crianças e adolescentes americanos foram mortos por armas de fogo nos últimos dez anos. Uma parte espantosa dessas mortes –mais de um terço—foi classificada como suicídio, e cerca de 6% como acidentes. Muito mais crianças ainda ficaram feridas.

Quase todos concordam que crianças não devem poder comprar armas; nenhum estado americano permite que menores de idade comprem armas sozinhos. Quando crianças se suicidam com armas de fogo, é porque tiveram acesso a uma arma que já tinha sido adquirida por outra pessoa, muitas vezes de modo legal.

O modo como as armas são guardadas tem importância. Um estudo publicado na segunda-feira (13) no “JAMA Pediatrics” concluiu que mesmo um aumento modesto no número de donos de armas que guardam suas armas em segurança reduziria em muito o número de mortes.

Michael Monuteaux, professor adjunto de pediatria na Escola de Medicina de Harvard e autor do estudo, explicou: “Precisamos mostrar aos pais que guardar armas fora do alcance de crianças pode reduzir o número de crianças que morrem todo ano, especialmente de suicídio”.

Em 2010 pesquisadores estudaram a quem pertencem as armas de fogo usadas em suicídios adolescentes. Nos casos em que isso pôde ser determinado, ¾ dos donos eram o pai ou a mãe do adolescente, e em outros 7% dos casos, algum outro parente.

Um estudo de 2005 publicado pelo “JAMA” mostrou que quando as armas são guardadas descarregadas e em um lugar trancado e a munição é mantida em local trancado, separado das armas, os níveis de suicídios e acidentes de adolescentes em famílias que possuem armas são muito menores. Foi o caso tanto com armas pequenas quanto com armas de cano longo.

Mas essas práticas de segurança não são comuns. Se uma lei aprovada recentemente em Nova York for sancionada, o estado se tornará um dos poucos a contar com uma legislação ampla sobre armazenagem de armas que visa proteger crianças.

No ano passado um estudo baseado numa pesquisa nacional de 2015 constatou que pelo menos uma em cada três famílias americanas possui pelo menos uma arma. Entre as famílias que têm armas e crianças em casa, mais de 20% informaram que mantêm as armas carregadas e em lugar não trancado –a opção menos segura. Outras 50% as guardam ou carregadas ou em lugar não trancado.

Isso quer dizer que 7% das crianças dos EUA viviam numa casa em que pelo menos uma arma era armazenada de maneira não segura. Foi o dobro do número relatado na última pesquisa nacional, publicada em 2002. Outras pesquisas sugerem que muitas pessoas nas famílias que possuem armas, mas geralmente não o dono principal da arma, pensam que elas estão guardadas em segurança, sendo que não estão.

Críticos dizem que é difícil implementar as leis sobre armazenagem segura de armas, devido a preocupações com a privacidade das pessoas. Como demonstra um modelo do estudo publicado na segunda-feira no “JAMA Pediatrics”, mesmo uma intervenção modesta que incentive as famílias a guardar suas armas em segurança pode reduzir em 6% a 32% as mortes de adolescentes por armas de fogo.

Suicídios são menos raros que disparos feitos em defesa própria. Juntamente com acidentes, eles também são mais prováveis no caso de menores cujos pais são alcoólatras. Estudos também descobriram que crianças que convivem com um adulto que bebe demais têm mais chances de viver numa casa com arma de fogo guardada de modo não seguro e que o consumo elevado de álcool é mais comum entre pessoas que guardam suas armas carregadas e em local não trancado.

“Sabemos por estudos anteriores que as crianças que vivem com adultos que abusam do álcool correm risco maior de tentar o suicídio, ser vítimas de bullying e sofrer ferimentos não intencionais”, disse o Dr. Ali Rowhani-Rahbar, professor adjunto de epidemiologia na Escola de Saúde Pública da Universidade de Washington.
 

Possíveis medidas de segurança

No ano passado, no periódico “Injury Prevention”, Rowhani-Rahbar e outros pesquisadores relataram os resultados de dois eventos comunitários sobre segurança de armas promovidos no estado de Washington. Quando os participantes nos eventos receberam informações e puderam comprar protetores de gatilhos e estojos com tranca para suas armas, cerca de 14% mais das famílias passaram a guardar suas armas trancadas e 9% mais passaram a guardá-las descarregadas.

Em 2017 o Government Accountability Office (órgão que realiza auditorias e investigações para o Congresso americano) fez uma revisão de 16 programas públicos e sem fins lucrativos para melhorar a armazenagem de armas. O órgão concluiu que distribuir estojos e travas resulta em mais armas armazenadas com segurança. Mas poucas dessas avaliações foram rigorosas. Como é o caso com a maioria das questões ligadas às armas, as pesquisas sobre armas são uma questão politicamente divisiva, e há anos as verbas disponíveis para essas pesquisas têm sido muito pequenas comparadas com o dinheiro para pesquisas sobre outras causas importantes de mortes.

A política pública também pode fazer uma diferença. Em 2004 um estudo examinou como as leis sobre a venda de armas afetam os índices de suicídio entre menores de idade, em comparação com leis que exigem que armas de fogo sejam guardadas em segurança. A conclusão foi que entre 1976 e 2001, as leis sobre idade mínima para a aquisição e posse de armas não influíram sobre o índice de suicídio de adolescentes. Mas leis que previnem o acesso de menores a armas foram associadas a uma redução importante nos suicídios com armas de fogo, mesmo quando os suicídios cometidos por outros métodos não diminuíram.

Mais ou menos dois terços das mortes por armas de fogo nos Estados Unidos são suicídios. Em vista do impasse político em torno dos direitos a armas, a armazenagem de armas parece ser uma área que possibilita avanços produtivos nas políticas públicas. A armazenagem mais segura de armas, especialmente em famílias com crianças e adolescentes, pode fazer uma diferença maior do que muitos esforços legislativos e ativistas que recebem mais atenção.

Tradução de Clara Allain

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