Parcialmente interditada há 5 meses, marquise do Ibirapuera não tem fundos para obras

Seis anos após restauro de R$ 15 mi, secretaria do Verde tenta obter R$ 1 mi para reparos emergenciais

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Porção central da marquise do Ibirapuera, interditada desde 5 de fevereiro

Porção central da marquise do Ibirapuera, interditada desde 5 de fevereiro Gabriel Cabral - 29.mai.19/Folhapress

São Paulo

A marquise do Ibirapuera, maior construção do parque e um de seus pontos mais frequentados, está prestes a completar cinco meses de interdição parcial.

A reabertura dos trechos interditados depende de obras orçadas em R$ 1 milhão, recurso do qual a secretaria municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) diz não dispor e estar tentando obter junto a fundos municipais.

A marquise sofreu interdição parcial no dia 5 de fevereiro. Hoje estão bloqueados com estruturas metálicas e telas cerca de 15 pontos da cobertura, que une as construções concebidas por Oscar Niemeyer para o Quarto Centenário de São Paulo, em 1954.

A parte mais afetada é a porção central da marquise, área que tradicionalmente reúne praticantes de skate e patins. 

Eles continuam lá, mas as interdições formam uma faixa quase contínua a cortar o espaço transversalmente. 

Outro ponto crítico é a ponta entre o antigo restaurante The Green, que funcionou no local entre 1972 e 2015, e o Pavilhão das Culturas Brasileiras. Ela está totalmente cercada.

Outros cercadinhos pontuam os 22.508 m² da estrutura. Baias e telas também delimitam trechos onde o revestimento de pastilhas da platibanda —a lateral da cobertura— caiu por completo.

Mesmo onde não há bloqueios, é possível notar muitos outros pontos em que o revestimento da marquise se deteriorou. Há pedaços descascados e manchas de mofo. Na porção entre a Bienal e o MAM, parte das ferragens do concreto está exposta.

A estrutura tem 65 anos; no entanto, entre abril de 2010 e dezembro de 2012 a marquise foi restaurada. A obra de quase R$ 15 milhões não impediu que pedaços do forro se desprendessem em 2014 e 2017. 

A SVMA diz que o desgaste se deve ao tempo. “A marquise do parque Ibirapuera é uma edificação dos anos 1950, que está sujeita aos problemas comuns, decorrentes da durabilidade do próprio material e da tecnologia utilizada à época”, diz nota enviada à Folha.

O texto atribui “às intempéries e ao movimento estrutural da marquise” o fato de muitas das pastilhas colocadas no restauro terem se descolado.

Claudia Cahali, arquiteta e membro do conselho gestor do parque desde 2017, diz que um dos problemas que dificultam a manutenção da marquise é o uso de estuque no forro. O estuque envolve o uso de estopa, a qual se embebe. 

“A água acaba encontrando caminhos que a gente não enxerga”, diz Cahali, frisando que ela não penetra necessariamente nos pontos onde se vê o dano, mas vai se infiltrando.

Segundo a SVMA, o plano da nova intervenção envolve a remoção total do estuque. Além disso, deve haver revisão elétrica e um novo restauro, a ser aprovada pelos órgãos de patrimônio, uma vez que o parque e suas edificações são tombados.

Outros problemas além do estuque, como a colocação de pastilhas sem junta de dilatação adequada, podem ter contribuído para a deterioração.

Junta de dilatação é o nome dado ao espaço deixado livre, preenchido só com material flexível como resina, para que os materiais rígidos de estrutura ou do revestimento se expandam em reação a fatores como calor, umidade e vibração sem ocasionar danos.

No caso das pastilhas, as juntas são de milímetros, não sendo perceptíveis a olho nu. Na marquise, como em qualquer grande estrutura de concreto, elas são maiores e visíveis.

Em vários pontos próximos às juntas, há interdições, o que pode indicar que elas não tenham sido tratadas de maneira adequada ao longo do tempo, deixando penetrar água.

Na opinião de Cahali, os problemas na marquise não decorrem somente dos materiais, mas de práticas de gestão. 

Para a conselheira, falta que se tenha uma visão do parque como um todo orgânico. 

No caso da marquise, isso se reflete no fato de a impermeabilização da estrutura na área do Museu de Arte Moderna (MAM) e do The Green não ter sido realizada durante o restauro entregue em 2012.

Na ocasião da obra, o restaurante The Green e a prefeitura enfrentavam-se na Justiça. 

A retirada do restaurante, que não era previsto no projeto original, é há anos aventada. Agora, segundo o edital de concessão do parque, deve haver no local “uma nova estrutura leve, transparente e de baixo impacto visual, quer permita a permeabilidade física e visual deste espaço”.

O texto diz ainda que a concessionária deve fazer uma nova impermeabilização da marquise, incluindo a porção do restaurante, mas de novo excetuando a área do MAM, encarregado de cuidar da porção que ocupa na estrutura.

O edital frisa, contudo, que não será encargo da concessionária “qualquer tipo de reforma estrutural” na marquise.

A Construcap, empreiteira arrolada na Lava Jato, venceu a licitação do parque, com a proposta de R$ 70,5 milhões. 

Ela deverá administrar o Ibirapuera e cinco outros parques por 35 anos a contar da assinatura do contrato —que só acontecerá após a publicação da versão final de um plano diretor para a área verde.

A prefeitura apresentou em maio um plano diretor que o conselho gestor não reconhece como tal, dizendo ser quase literalmente o texto do edital, como explica Cahali. Foi apresentada uma contraproposta, sobre a qual a prefeitura ainda vai se pronunciar.

Na opinião de Silvio Oksman, arquiteto que estudou as edificações do Ibirapuera em seu doutorado sobre preservação de patrimônio moderno, a intenção da SVMA de fazer um novo restauro reflete uma visão equivocada.

Segundo ele, hoje se entende que o ideal é priorizar a manutenção, evitando intervenções maiores. Para Oksman, ações de preservação deveriam ter sido previstas em documento no restauro anterior.

“Você não entrega um restauro sem um plano de conservação”, diz ele, que recentemente elaborou o do Masp. 

E esses planos, diz, não se fazem rápido. “Os tempos políticos não podem atropelar os tempos técnicos. São processos lentos, que demandam estudos aprofundados, que custam caro e sem os quais não se pode fazer concessão, porque se perde o controle de bens que continuam sendo de propriedade pública.”

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