Condenados por chacina com 17 mortos na Grande SP podem ter sentença anulada

Expulsão de PMs suspeitos às vésperas do julgamento é vista pela defesa como possível interferência do governo estadual

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São Paulo

O Tribunal de Justiça de São Paulo pode anular nesta quarta-feira (24) os júris que condenaram a mais de 720 anos de prisão (na soma das penas) três ex-policiais militares e um guarda municipal pela suposta participação na maior chacina da história do estado, em agosto de 2015, em Osasco e Barueri (Grande SP), com 17 mortos.

O próprio Ministério Público já se manifestou favorável a anulação da sentença de dois deles, o ex-PM Victor Cristilder Silva dos Santos e o guarda municipal Sérgio Manhanhã, por considerar que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária às provas dos autos e, ainda, foram usadas provas ilegais.

Esse entendimento pode favorecer os outros dois condenados, os também ex-PMs Fabrício Eleutério e Thiago Henklain, embora a Promotoria tenha defendido a manutenção de ambos na prisão.

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Julgamento dos PMs e GCMs acusados de envolvimento nas chacinas de Osasco e Barueri em 2015, no Fórum Criminal de Osasco (SP). - Rogério Pagnan/Folhapress

Isso porque a manifestação da procuradora Iurica Tanio Okumura, responsável pelo caso em segunda instância e que recomenda a anulação do júri para Cristilder, ataca diretamente o alicerce de toda a denúncia, fundamentada sobre uma testemunha protegida de nome “Beta”.

Assim, os desembargadores que analisam o caso podem entender que todo o julgamento foi contaminado e, assim, haveria necessidade de novo julgamento para todos.

Se isso ocorrer, é quase certo que os PMs e o guarda sejam liberados na sequência e aguardarão essa nova etapa em liberdade.

A tendência é, porém, de anulação da sentença apenas a Cristilder e Manhanhã.

Os advogados afirmam que a anulação de todos ficou mais difícil após uma suposta interferência política por parte do governo paulista para tentar evitar a anulação de todo o júri, o poderia transmitir a sensação de que a maior chacina poderá ficar impune.

A chacina foi investigada por uma força-tarefa que uniu integrantes das três polícias (a Corregedoria da Polícia Militar, a Polícia Civil e a Científica).

A chacina de Osasco e Barueri ocorreu na noite de 13 de agosto de 2015. Nas primeiras horas após o crime, as suspeitas já recaíram sobre as forças de segurança porque, dias antes, um PM e um guarda municipal foram mortos por criminosos durante assaltos nessas duas cidades.

A investigação levantou suspeita contra mais de uma dezena de policiais, mas, apenas quatro pessoas acabaram indo a julgamento e com um frágil conjunto probatório, como admitiu a própria Promotoria às vésperas do julgamento. O júri foi, porém, desfavorável ao grupo.

A defesa dos quatro condenados apelou da decisão, apelação que será julgada nesta quarta.

O Ministério Público, que atua em segunda instância, manifestou-se sobre as alegações feitas pela defesa e concordou com parte delas.

Acatou, por exemplo, que uma das principais testemunhas do caso não pode ser considerada seriamente. Tal testemunha, a Beta, chegou a dizer que Cristilder era chefe de um serviço de segurança privada, na qual trabalhava os outros suspeitos, uma organização paramilitar criminosa e responsável por matanças a região, incluindo a megachacina. Essa versão se tornou base de toda a denúncia da Promotoria.

No processo judicial, porém, ficou demonstrado que isso nunca existiu. Cristilider nunca foi chefe da segurança mencionada pela testemunha e tinha ligação apenas com Sérgio Manhanhã. “[Acusações que] não passaram de informações que não foram superadas por documentos ou depoimentos. Aliás, o réu afirmou que é conhecido no bairro como Dedé, fato confirmado por testemunha [...] e que jamais teve apelido de ‘Boy’, mais um dado a desmentir o depoimento de Beta”, disse a procuradora

O também procurador Carlos Henrique Mund, também suscitado a dar seu parecer sobre o caso, concordou com a defesa de que foi ilegal o acesso feito pela polícia ao conteúdo das mensagens telefônicas trocadas pelo guarda Manhanhã e o PM Cristilider, em horários aproximados da chacina.

Para o procurador, o acesso deveria ser precedido de autorização judicial, o que não ocorreu.

PMs expulsos

A suspeita de uma suposta interferência política do governo paulista no caso ganhou força desde o último sábado (20) quando o comando da Polícia Militar publicou a expulsão dos três PMs condenados.

Tal expulsão contrariou uma investigação interna da própria PM, que durou cerca de quatro anos e defendia a absolvição dos policiais. Foi revertida pelo comando da Polícia Militar em uma velocidade, alegam os advogados dos réus, em tempo recorde.

O próprio comandante-geral da PM, coronel Marcelo Vieira Salles, demorou apenas 15 dias para analisar todo o processo (com cerca de 30 mil páginas) e decidir pela expulsão. Ele recebeu o processo no último dia 4 de julho e, no dia 19, já havia assinado a demissão e enviado para publicar no "Diário Oficial."

Procurada, a Polícia Militar disse que não comentara a estratégia da defesa dos ex-policiais militares, "sendo certo que não existe nenhum tipo de 'acordo' aplicável a esse tipo de situação.

"Esclarecemos que procedimentos como o que levou à expulsão dos envolvidos tramita de forma independente, na esfera administrativa, não tendo nenhuma vinculação com o processo criminal, pois a diferença não é de grau e sim de substância entre as esferas penal e administrativa."

O advogado de Cristilder, João Carlos Campanini, disse que, apesar da evidente tentativa de interferência por parte da cúpula da PM, ele acredita na anulação do júri.

“Mesmo com todo esse mecanismo de injustiça, voltado para maldade, eu ainda acredito na isenção dos desembargadores do TJ. Eu tenho certeza de que eles vão analisar com respeito e com grande técnica todo esse processo. Tenho esperança que a verdade vai prevalecer e eles vão anular o júri e as condenações”.

Advogado do guarda municipal, Abelardo Júlio da Rocha, disse estar confiante. “O Procurador de Justiça deu parecer favorável à anulação do julgamento do Sérgio. Acolheu totalmente a tese da defesa. Claro que temo alguma surpresa [pela ação do governo], mas tenho o direito ao meu lado.”

A advogada Flávia Artilheiro, defensora de Fabrício Eleutério, também afirma ver uma ação do governo para interferir no resultado do julgamento até porque, segundo ela, há casos de PMs que aguardam por cerca de seis meses uma decisão do comando.

“A decisão do processo administrativo surpreende não apenas por contrariar o relatório do Conselho Processante, mas principalmente por se dar às vésperas do julgamento, com claro viés político e o intento de influenciar no deslinde [desfecho] da causa. Apesar disso, continuamos firmes no propósito de anulação do júri, para que Fabrício possa ter um novo e correto julgamento”.

O advogado Fernando Campano, defensor de Henklain, disse que também está esperançoso. “Creio que temos, segundo penso, totais condições de ter sucesso no nosso recurso. Porque, respeitando a lógica do respeito à soberania do júri, estamos diante de severas ilegalidades que levaram o Conselho de Sentença a equívoco. Assim, de rigor um novo júri, visto que não estamos diante de uma decisão injusta. Estamos diante de uma decisão ilegal."

O julgamento deve começar por volta das 13h, no Tribunal de Justiça de São Paulo, na praça da Sé, região central. Três desembargadores julgam a causa.

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