Fezes de gatos fecham playgrounds de parque em SP e acirram guerra entre gateiras e pais

Ao menos 80 felinos circulam no parque da Aclimação; fezes dos bichos fecharam três parquinhos com terra de areia

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São Paulo | UOL

O parque da Aclimação, na zona sul de São Paulo, poderia receber o apelido de gatil. O espaço virou a morada de uma centena de gatos abandonados. A proliferação dos bichanos gera polêmica e divide a opinião dos frequentadores do espaço de 112 mil m² aberto no início do século 20.

Desde setembro do ano passado, três parquinhos com tanques de areia estão interditados. O motivo: a grande concentração de fezes dos bichanos. O conselho gestor do parque pediu análise da areia e da terra dos playgrounds dos portões 4 e 5 e do Recanto do Saci.

Grupo de gatos no parque da Aclimação, em São Paulo
Grupo de gatos no parque da Aclimação, em São Paulo - Lucas Seixas/Uol

O pedido embasou um relatório técnico de vistoria da Secretária Municipal do Verde e do Meio Ambiente. Laudos emitidos pela Divisão de Vigilância de Zoonoses mostraram que as três áreas de recreação estão repletas de parasitas e fungos.

O perigo da transmissão de doenças como a toxocaríase (que atinge principalmente crianças pequenas que colocam terra contaminada por fezes na boca e que provoca febre, asma e problemas de visão), ascaridíase (a popular lombriga) e dermatofitose (infecções por fungos na pele) interditou os parquinhos para as crianças. Mas os gatos continuam lá. Em fevereiro foi reaberto o do Recanto do Saci, que, mesmo sem areia, segue exalando odor de urina e fezes dos animais.

A presença dos felinos mobilizou um grupo de ao menos 11 gateiras. Uma delas é Jacy Lins. Faça chuva ou faça sol, a engenheira civil perambula das 19h às 22h todos os dias da semana pelo parque com 8 kg de ração nas mãos. A comida é espalhada por dez pontos do espaço e alimenta cerca de 80 gatos.

“Já teve uma véspera de Natal que fecharam o parque às 18h. Eu estava chegando do trabalho e não me deixaram entrar. Fiquei desesperada para alimentar os gatos, pulei o portão pelos fundos quando os guardas estavam concentrados na frente. Perto da meia-noite, para evitar os guardas na ronda, saí pelo parque deserto para distribuir a ração”, disse.

"O gato faz as suas necessidades perto de onde se alimenta, de 15 a 20 minutos depois de comer. Queremos levá-los para longe dos parquinhos. Queremos também colocar casinhas de material reciclável, lugares cobertos para eles se protegerem da chuva e do frio", conta Jacy.

Se a população felina não tem do que reclamar da atenção recebida por Jacy, outro grupo, o de pais que têm filhos pequenos, estão revoltados com a interdição dos espaços de lazer.

O movimento Mães e Pais da Aclimação são a favor da retirada dos gatos do parque. A operação, dizem, precisa ser feita pela prefeitura com apoio de ONGs que trabalham contra o abandono de animais.

Frequentador do parque há 20 anos, o advogado cearense Erikson Elói Salomoni, 41, é uma das vozes inconformadas com o depósito felino que se transformou o parque da Aclimação. Ele tem dois filhos: um de 21 anos e outro de quase três anos.

“Estou perplexo com o que vem ocorrendo com o parque onde tive muitos momentos de alegria com meu primeiro filho. Na época, não era possível imaginar que um dia o parque se tornaria um lugar insalubre para as crianças brincarem por conta de contaminação por meio de fezes de animais abandonados. O mau cheiro é percebido principalmente nos parquinhos infantis”, disse Salomoni.

A prefeitura não ignora os fatos. A gestão Bruno Covas (PSDB) simplesmente concorda e autoriza que as gateiras continuem o seu trabalho de alimentar os animais, limitando o uso saudável do parque pelas crianças.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente confirma a existência de uma "colônia com cerca de 80 gatos abandonados que são observados pelas protetoras do bairro", autorizadas pela secretaria a entrar para alimentá-los e ajudar o Centro de Controle de Zoonoses a "capturá-los para castração e vermifugação, garantindo assim o controle populacional no parque".

"A Covisa (Coordenadoria de Vigilância em Saúde) orientou o Conselho Gestor do Parque quanto à manutenção e limpeza correta da areia e reforçou a necessidade da troca sempre que parasitas viáveis sejam localizados. Também houve orientação aos munícipes envolvidos com o trato destes animais para que eles estabelecessem horários e pontos fixos de alimentação", diz a nota.

"A prefeitura autorizar o trabalho dessas gateiras é um absurdo, uma falta completa de bom senso. É justamente por causa disso que o parque da Aclimação está se transformando em um ponto de abandono de gatos", diz a naturóloga Giovanna Carnetti, 26, que morava na Penha e, há um ano e meio, mudou com o marido e o filho de três anos para a Aclimação para poder desfrutar do parque.

"Eu e outros frequentadores chegamos a ver um homem abandonando um gato. Fomos atrás dele e ele disse que estava saindo de São Paulo e sabia que, se deixasse o animal ali, ele seria pelo menos alimentado."

Carnetti não precisou de muito tempo na vizinhança para entender a gravidade da situação dos parquinhos antes da interdição no ano passado. "Meu filho estava cavando no tanque de areia e achou um cocô de gato. Depois, pisou em outro. Começamos a falar com outros pais e vimos que tinha algo errado ali. A gente se organizou e passou a frequentar as reuniões de conselho do parque, onde as gateiras já estão faz tempo."

Em uma dessas reuniões, Carnetti ficou impressionada com a reação de uma gateira e resolveu não participar mais."Já que elas são autorizadas a alimentar os gatos, sugeri que elas ao menos usassem alguma identificação, um colete, algo assim. Se não há isso, qualquer um pode chegar e começar a espalhar comida para gatos. Aí, começou um bate-boca que me chocou.

“Elas têm um comportamento agressivo. Pensam que os gatos são delas e, na verdade, dificultam qualquer tentativa de adoção”, afirma a naturóloga.

A frequentadora diz que, com a população cada vez maior de gatos e a falta de fiscalização da prefeitura, não são apenas as crianças que estão rareando —os saruês e os pássaros do parque também estão sumindo. "Já chegaram a filmar os gatos atacando e comendo outros animais no parque."

O que mais assustou a naturóloga foi o dia que ela, passeando com o filho no parque, teria sido abordada por uma gateira. "Ela me disse: 'A gente vai transformar o parque da Aclimação no parque dos gatos e nada vai nos impedir'."

Carnetti diz não ter nada contra gatos —pelo contrário. "O fato de querer que eles sejam adotados e tenham uma casa mostra que quero o melhor para eles. Mesmo que tenham comida no parque, não quer dizer que sejam bem tratados aqui."

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