Ator tem rosto desfigurado por motorista de ônibus em SP após selinho em rapaz

Vítima teve nariz quebrado após agressão; ele era passageiro de micro-ônibus em linha da zona leste

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São Paulo

“Estou desfigurado por dentro e por fora”. Quem diz isso é Marcello Santanna, 23, ao não se reconhecer mais quando para de frente ao espelho. O ator e fotógrafo da capital paulista foi vítima de um ataque que quebrou o seu nariz e deixou o seu rosto irreconhecível.

Santanna foi agredido na manhã do último sábado (7), por volta das 6h30, pelo motorista de um micro-ônibus em Cidade Líder (zona leste) após trocar selinhos com um rapaz dentro do veículo.

 

O casal e mais uma prima do ator retornavam para casa após uma noitada na avenida Paulista (centro). Pegaram o metrô e desceram na estação Artur Alvim, na linha 3-vermelha. De lá, partiram para Cidade Líder num micro-ônibus da linha 3736-10, operada pela Pêssego Transportes.

Santanna lembra que o tempo seco e uma gripe mal curada fizeram o seu nariz sangrar dentro do micro-ônibus. “Foi aí que o meu parceiro cuidou de mim. Ele limpou o sangue que escorria e dei selinhos nele”.

A troca de carinhos foi o gatilho, diz a vítima, para o motorista ordenar em voz alta que eles deveriam sair da lotação. “Eu disse: não vou descer. Mas ele parou o veículo, abriu a porta e como estava bem perto de casa e não queria confusão, resolvi descer”, conta.

Já na calçada, na avenida Maria Luiza Americano, a vítima pensou que tudo havia sido resolvido. Afinal, já estava fora da lotação. “Mas foi ali que eu apanhei”.

“Não lembro direito dos socos, mas só do olhar de fúria dele na minha direção. Vem também à minha memória um senhor idoso pedindo para ele [motorista] parar, que nada daquilo tinha necessidade. Vi a minha prima e o meu parceiro desesperados. Eu só queria que tudo aquilo terminasse”, afirma.

O ator diz acreditar que só não morreu porque o motorista estava em horário de expediente. Santanna ficou estirado no chão, e o suspeito seguiu sua rotina para levar outros três passageiros que estavam na lotação.

Santanna saiu dali ao pegar carona num outro micro-ônibus da mesma empresa, que passou pelo local minutos depois da agressão. Desembarcou no 53º DP (Parque do Carmo), prestou queixa e seguiu para o Hospital Santa Marcelina, onde recebeu os primeiros atendimentos e a promessa de uma cirurgia no nariz nos próximos dias paga pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Ator com DRT (registro profissional), como gosta de frisar, Santanna é o caçula de sete irmãos. Perdeu o pai quando tinha dois anos. Mora com a mãe e, para ganhar a vida, faz ensaios fotográficos de casamentos e aniversários.

“Eu nunca pensei que fosse entrar para as estatísticas da violência contra os gays", afirmou. Pelos números oficiais, os casos de agressão contra LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) não param de crescer. 

Segundo o Atlas da Violência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), cresceu 10% o número de notificações de agressão contra gays e 35% contra bissexuais de 2015 para 2016 (dado mais atual), chegando a um total de 5.930 casos, de abuso sexual a tortura, em todo o país.

"Sempre lutei pelo diálogo e pelo respeito às diferenças. Se eu sou mais um número da violência, o que eu quero agora é só Justiça", afirmou Santanna.

OUTRO LADO

A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou que a agressão contra o ator Marcello Santanna foi registrada, inicialmente, como lesão corporal. A investigação busca saber se a motivação para o ataque é homofóbica.

No dia 23 de maio, o STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria dos ministros e enquadrou a homofobia como um dos crimes de racismo até o Congresso aprovar lei sobre o tema.

A Pêssego Transportes disse que não compactua com qualquer tipo de violência e preconceito seja por cor, raça, etnia, religião e orientação sexual. A empresa informou que vai abrir uma sindicância interna para apurar os fatos.

Também disponibilizará à vítima apoio psicológico e reforçará treinamentos à equipe para evitar outros casos similares.

A SPTrans disse que repudia a violência sofrida pelo passageiro e que vai colaborar com as investigações como gestora do sistema de transporte público da capital.

Motorista presta depoimento à polícia

O motorista da Pêssego Transportes envolvido no caso prestou depoimento na tarde desta segunda-feira (9) no 53º DP. 

Ele negou à polícia que a violência tenha ocorrido por causa de homofobia. Em seu depoimento, o motorista afirmou que Santanna e o companheiro estavam visivelmente embriagados e causando tumulto, o que teria incomodado outros passageiros. 

À polícia, ele também afirmou que teria mandado os dois pararem e depois descerem do veículo. Em seguida, teria ocorrido luta corporal do lado de fora.

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