Estudo sugere revisão das tarifas da Sabesp

Segundo pesquisadores, a inclusão de mais faixas de preço poderia estimular consumo consciente da água

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São Paulo

É preciso investir mais em saneamento, universalizar a oferta do serviço, torná-lo acessível a quem não pode pagar, preservar as fontes d’água e conter a poluição. A fim de contribuir para a implementação desse programa, seria necessário rever o sistema de cobrança e de subsídios da Sabesp.

A sugestão é do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), que apresentou na terça-feira (24), na Folha, um resumo de suas 23 “Recomendações para o Aprimoramento da Tarifa da Sabesp”, empresa paulista de saneamento, uma companhia pública com quase metade de seu capital sob controle privado. Pelas sugestões do IDS, haverá quem pague bem mais, menos ou nada.

 

O IDS é uma ONG e um centro de estudos, que contou com a colaboração da Sabesp na elaboração do diagnóstico.

Por um lado, trata-se de um modelo de cobrança mais próximo daquele de uma firma com atuação de mercado. Por outro, o plano prevê que mais famílias possam pagar a tarifa social e que a sociedade tenha alguma voz nas diretrizes do investimento.

As sugestões não são um exercício teórico. A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) discute a revisão da tarifa da Sabesp, a fim de implementar mudanças a partir de junho de 2020.

Atualmente, a cobrança pelos serviços é dividida em duas tarifas, a de água e a de esgoto. Na sugestão do IDS, parte-se do princípio de que o preço de cada serviço deva ser calculado com base em seus custos. A tarifa seria, então, composta de:
1) Uma parcela fixa, de acesso ao fornecimento de água;
2) Uma tarifa fixa pelo serviço de coleta de esgoto;
3) Uma tarifa fixa, a mais cara, pelo tratamento de esgoto, variável de acordo com o custo de tratar esses efluentes;
4) Uma parcela variável segundo o consumo de água.

As parcelas fixas cobrem os custos de implantar a infraestrutura para o serviço, manutenção e remuneração dos investimentos. É fixa para cada usuário, mas seu custo varia de acordo com os custos de cada um (o tratamento de esgoto de usuários não residenciais pode ser mais caro).

O preço da água deve variar de acordo com o consumo, como ocorre agora, mas com uma revisão da “escada” de preços, segundo o estudo do IDS.

Além das tarifas sociais, na faixa de consumo residencial mais baixa, quem consome até 10 metros cúbicos por mês (10 mil litros), paga R$ 26,18 na cidade de São Paulo. Nessa faixa, o preço é fixo, não importa se o usuário consome dois ou nove metros cúbicos. Não há, pois, incentivo econômico para gastar menos água. Quem consumir apenas três metros cúbicos, por exemplo, pagará o equivalente a R$ 8,73 por metro cúbico; se consumir dez metros cúbicos, pagará R$ 2,62 por metro cúbico.

A proposta é fazer uma “escada” de preços com mais degraus e degraus mais baixos, de modo que o consumidor possa ganhar com reduções de consumo administráveis. Hoje há apenas quatro faixas de preços para cada nível de consumo, com variações amplas, que dificilmente permitem que o usuário consiga ter descontos ao economizar.

Segundo pesquisa Datafolha encomendada pelo IDS para conhecer a opinião dos paulistanos sobre saneamento, 67% dos entrevistados concordam total ou parcialmente que o preço da água deve aumentar de acordo com o volume de consumo.

No novo modelo, quem não tem esgoto tratado não pagaria pelo serviço, por exemplo. Quem descarrega dejetos mais tóxicos ou em geral mais difíceis de tratar não paga esse custo extra, o que precisa mudar, sugere o IDS e a opinião de 81% dos paulistanos ouvidos pelo Datafolha.

As tarifas fixas deveriam ser cobradas inclusive de grandes usuários que se recusam a se conectar à rede de água e esgoto (usam poços e caminhões-pipa, pegando “carona”, de resto, no benefício geral de haver uma rede de coleta e tratamento de esgotos, pago por outros).

Quais as vantagens do sistema novo?

A distribuição mais equânime e transparente dos custos, para começar, dois terços dos entrevistados pelo Datafolha não têm conhecimento básico sobre o esgoto (não sabe se é coletado, se é tratado).

Atualmente, não há preço específico para o esgoto —o cálculo é simplesmente baseado em um valor equivalente a pelo menos 80% a até 100% da tarifa de água. No entanto, o esgotamento sanitário custa mais caro que o abastecimento de água.

Preços diferentes para água e esgoto são mais justos

O IDS argumenta que preços adequados para cada serviço e para cada tipo de usuário podem incentivar investimentos, tornar os custos mais transparentes e limitar algumas outras injustiças.

O preço adequado e específico induziria a empresa de saneamento a investir mais em serviços que, agora, estariam sub-remunerados e, assim, não são ofertados em volume adequado, como tratamento de esgoto.
Além do mais, se o custo de investir em esgoto é adequadamente coberto, a empresa de saneamento, no caso a Sabesp, dependeria menos de venda de água para ganhar dinheiro. Obviamente, em termos econômicos e ambientais, não faz sentido trabalhar pelo aumento do consumo de água.

A tarifa adequada resolveria, assim, um problema comum na cobrança dos serviços de saneamento: os subsídios cruzados. Por exemplo, como se viu, o preço mais alto da água acaba cobrindo o preço insuficiente do serviço de esgoto. A água “banca”, subsidia, o esgoto. Preços errados desorientam o uso eficiente de recursos.

O IDS propõe ainda a criação de outros incentivos para o aumento do investimento e para o aumento da eficiência na Sabesp. Atualmente, ganhos de produtividade da empresa são em parte repassados para o consumidor, na forma de reajustes menores de tarifas. O IDS sugere que esses ganhos não sejam repassados aos preços, desde que a empresa invista mais na ampliação dos serviços de saneamento. Nos planos do IDS, haveria metas e controle social desse programa.

Em outra recomendação, propõe-se que a empresa seja explícita e adequadamente paga pelo custo de manutenção de mananciais. Por outro lado, a fim de estimular a economia de água, reduzindo perdas dos encanamentos, a Sabesp deveria pagar pela água que usa.

Outra medida de incentivo ao uso racional seria o estabelecimento de critérios objetivos e formais para o início de programas de economia em tempos de risco de falta d’água, planos que não dependeriam do arbítrio das autoridades. A partir de uma certa medida de risco de seca, como a do nível de reservatórios, seriam detonados programas de bônus (para a economia) e multa (para o uso excessivo) de água.

Na pesquisa Datafolha sobre saneamento, 37% dos entrevistados na cidade de São Paulo afirmaram ter ficado sem água por mais de três dias durante a crise de 2014-2016.

Dinheiro de impostos pode aliviar conta dos mais pobres 

Além de um novo modelo de cobrança, o Instituto Democracia e Sustentabilidade tem sugestões para fazer com que mais gente tenha acesso a saneamento por preços menores —ou até de graça.

Cerca de 435 mil famílias atendidas pela Sabesp são enquadradas na categoria “social” (pagam menos), por critérios de renda familiar (inferior a três salários mínimos), moradia precária e baixo consumo de energia elétrica, além de desempregados com último salário inferior a três salários mínimos. Inadimplentes perdem o direito à tarifa social.

O IDS sugere que o enquadramento na tarifa social seja orientado pelo Cadastro Único do governo federal (uma lista de pessoas de baixa renda), sendo a renda familiar de corte equivalente a meio salário mínimo per capita, sendo abandonada a exigência de adimplência. Pelas contas do IDS, nos 369 municípios atendidos pela Sabesp haveria 2,18 milhões de famílias nessa condição —com direito a tarifa especial.

De onde viria o dinheiro para bancar tais reduções? Primeiro, do subsídio cruzado (alguns mais ricos já pagam tarifa maior, bancando o desconto para os mais pobres). Segundo, de subsídio direto do Estado. Isto é, parte do dinheiro dos impostos, da receita do governo, seria utilizada para pagar a conta do saneamento dos mais pobres.

Guilherme Checco, pesquisador do IDS e coordenador do estudo, resume as demais sugestões de inclusão social:
1) A tarifa social deve ter um desconto constante em todas as faixas de consumo (para não afetar famílias pobres, mas grandes, que 
consomem mais água);
2) Deve-se estudar a viabilidade de gratuidade da tarifa para as famílias em situação de extrema pobreza (cerca de 995 mil famílias com renda familiar por cabeça de até R$ 85 mensais); todas as famílias pobres devem ter acesso garantido; a oferta deve chegar em todos os locais (especialmente nos mais distantes, como em zonas rurais);
3) Os usuários de caráter essencial (hospitais, escolas, assistência social) devem ter isenção da tarifa fixa;

Além de subsídio direto a usuários pobres, o IDS recomenda também ao governo que abra mão da receita com impostos sobre o saneamento de modo que a Sabesp tenha mais recursos para investir. Mais: que os dividendos que a empresa rende ao estado de São Paulo sejam investidos em saneamento, uma vinculação de receita e obrigação de despesa.

Quem fiscalizaria o uso desses e de outros recursos que passariam a ficar com a Sabesp em troca de investimento extra? O IDS sugere maior controle social, a participação social em conselhos e mais transparência dos dados no site da empresa e nas contas de saneamento.

Enfim, quanto custaria a universalização dos serviços e quanto isso poderia pesar na tarifa? Segundo Checco, do IDS, não sabemos.

“O custo de investimento e os cenários de universalização, quem deveria apresentar é a Sabesp. O fato é que eles não têm essas informações. Já fizemos reiteradas vezes essa pergunta à Sabesp: qual o horizonte de universalização? Quais os cenários possíveis? Quanto custa?”.

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