Educar filhos e ganhar dinheiro honestamente são as duas coisas mais complicadas da vida, dizia o pediatra dos meus filhos, à época um senhor na casa dos setenta anos de idade. Nunca estendi a conversa sobre o assunto durante a consulta, mas sempre chamou minha atenção o fato de que a luta para ganhar o dinheiro é um dos fatores que roubam tanto a energia quanto o tempo necessários para se obter êxito na formação dos filhos.
As religiões, ao longo da história, criaram estruturas e ritos de apoio às famílias no processo de educação das crianças. A princípio voltadas para a própria iniciação religiosa (batismo, catecismo, primeira comunhão, crisma, escola dominical, bar-mitzvá). Um pouco mais tarde, as religiões abriram escolas e adentraram no campo do ensino secular.
No caso brasileiro, antes do advento República e da propagação da educação pública, as escolas confessionais (católicas, presbiterianas, batistas e metodistas) já se faziam presentes. Vale lembrar que as religiões foram pioneiras na assistência às crianças em situação de vulnerabilidade social por meio da instituição de orfanatos e educandários. Hoje, igrejas mantêm creches e inúmeros projetos sociais voltados para a infância.
Após a redemocratização, o Brasil criou uma estrutura para velar pelos direitos de crianças e adolescentes. Ao mesmo tempo, o crescimento evangélico das últimas décadas se fez sentir de modo intenso nas mais diferentes esferas públicas.
A recente eleição para escolha de conselheiros tutelares nos municípios brasileiros lançou luz sobre esses dois temas polêmicos: Estatuto da Criança e do Adolescente e evangélicos no espaço público, ou seja, dois filhos da Nova República. Dado o envolvimento histórico das religiões, e dos cristãos evangélicos em particular, com a proteção e formação de crianças, era um encontro mais ou menos inevitável.
Zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente é, segundo a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, o foco de atuação do conselheiro tutelar. Não há espaço na lei para proselitismo religioso com dinheiro público.
Entretanto, não reside aí a discórdia. O embate ocorrido na última eleição se deu em torno da interpretação de qual seria o papel dos conselhos na fiscalização e ação preventiva quando crianças e adolescentes são expostos, por exemplo, nas escolas, a assuntos referentes à sexualidade.
Grupos alinhados a organizações que preconizam a abordagem de tais conteúdos na escola pública e candidatos apoiados por igrejas reproduziram parte do debate ocorrido na última eleição nacional. A unificação da data para eleição dos conselheiros certamente contribuiu para a polarização em torno de temas sobre a sexualidade assumisse tal protagonismo no pleito eleitoral.
Tradicionalmente os Conselhos Tutelares se relacionam com as escolas para mediar casos de indisciplina de alunos e quando são acionados por famílias que não encontram vagas para seus filhos. Temos agora uma novidade: conselheiros fizeram campanha defendendo ou atacando o tratamento dado pelas escolas aos temas da sexualidade e prometendo atuação –não importa aqui se favorável ou contrária.
É pouco provável o êxito no cumprimento de tais promessas, uma vez que o conteúdo escolar é regulado por outras instâncias do Estado e segue dinâmica própria. Se o foco de atuação dos Conselhos Tutelares não é esse, por qual razão o tema esteve no centro dos debates? A agenda ligada aos costumes mobiliza valores dos eleitores e, numa eleição facultativa, oferecem boas razões para que as pessoas saiam de casa e depositem seu voto na urna.
A educação das crianças continuará sendo um dos grandes desafios das famílias, das igrejas, das escolas e da sociedade, e a transformação dos Conselhos Tutelares em uma espécie de “polícia de costumes”, além de não encontrar amparo no ECA, tampouco ajudará na árdua missão.
A proteção das crianças e adolescentes diante da exploração sexual, da oferta de drogas, da negligência e das mais diferentes formas de violência continuará sendo o foco da atuação dos Conselhos Tutelares, e sabemos todos quão dura é essa batalha.
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