É preciso focar, irmãs. A pastora Angela Cristina, 40, dá a letra para as espectadoras cristãs que querem arrumar um par que tope casar antes de ceder aos pecados da carne. “Tô falando de cabra-macho mesmo, aquele que tá procurando mulher pra casar”, avisa. “Não tô falando daqueles sem-vergonhas que vêm na igreja mas ficam dando em cima de todo mundo.”
Ao lado do marido e também pastor, Nelson Junior, 43, ela é a face pública do EEE (Eu Escolhi Esperar), projeto evangélico em evidência após seu mote maior, a abstinência sexual até o casamento, entrar na pauta nacional.
A ideia do Ministério de Direitos Humanos, de Damares Alves, é criar um programa que incentive a juventude a postergar a vida sexual como forma de evitar a gravidez. A secretária nacional de família, Angela Gandra Martins, evocou políticas "de escolhi esperar" para chegar lá.
Há dicas para que tanta espera dê frutos, diz Angela em vídeo do EEE. Antes de tudo, vamos combinar: a natureza do homem é valorizar a beleza exterior. “Mulheres são atraídas pelo ouvido, os homens, pelos olhos. Isso é fato. Então use isso a seu favor, querida.”
Sugere: “Vamos fazer as unhas, colocar uma make, arrumar o ‘cabelitcho’”. Mas nada de virar “a mulher que passa tanto reboco na cara” que mais parece os palhaços do Patati Patatá, hein?
E tem que ser bonita sem deixar de ser virtuosa, pois “homens não gostam de mulheres sensuais”, afirma.
“Calças jeans colocadas a vácuo, com as calcinhas lá dentro do… íntimo da pessoa. É dessa aí que tô falando.” No fundo, importa mesmo ser uma “mulher de Deus”. “Se você for daquelas crentes R$ 1,99, já era, perdeu o pretendente.”
A oratória descolada é marca do casal que pastoreia há 22 anos e lidera desde 2011 o EEE. “Começou com a história da nossa própria vida”, conta Nelson. “Nos casamos virgens. Ela foi minha única namorada.” O jeitão moderno contrasta com posições pudicas sobre a sexualidade. “Sexo oral? Sempre digo: é sexo! Masturbação, para a grande maioria dos cristãos, incluindo eu, é considerado pecado.”
Até hoje, um dos textos mais populares no site do EEE é "Como um Namoro Cristão Deve Ser?". Ali se ensina que "ir até a casa da moça e pedir aos pais a permissão para namorar não é coisa do passado, é coisa de responsável".
Um relacionamento só é válido se tiver o matrimônio como meta. Não ter isso em mente “pode, sim, levar ambos para a perdição”. Esse risco o advogado Bruno Pantaleão, 27, e a cirurgiã-dentista Katiane Pantaleão, 24, não correram.
Casaram-se em 2018, após cinco anos de namoro guiado pela virgindade pré-nupcial.
“Todos os amigos que sofriam, que só acumulavam decepções amorosas… Entendemos que, mais do que um passo baseado na fé, se guardar seria uma escolha inteligente, nos daria preservação física e emocional”, diz Bruno.
No clima de “não nos deixei cair em tentação”, o casal instaurou protocolos: “Evitamos todo tipo de conduta que nos levava pra longe de nosso propósito. Não ficamos sozinhos”.
A inexperiência dos abstinentes de contato físico numa relação —mesmo o beijo é malvisto em alguns grupos pró-castidade— virou munição contra o EEE.
Texto publicado no Pelo Amor de Deus, um site cristão, resume o questionamento sobre "proibições que não são a solução para a santificação". "O apóstolo Paulo mostrou para eles que ordenar 'não toque!', 'não faça!', era insuficiente para conter os desejos da carne e que possuía apenas 'aparência' de cristãs e sábias."
Críticas pipocaram também fora do segmento evangélico. A da antropóloga Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília, foi das que reverberou: "A política de abstinência sexual de Damares é lucrativa para pastores. Um instituto religioso já criou a série 'Eu Escolhi Esperar'. Como pesquisadora, esperarei dados de gravidez na adolescência, abandono de meninas da escola ou aborto".
Falava do EEE, que produzirá "conteúdo educativo" sobre o tema, o que inclui musicais, quadrinhos e cartilhas. Nelson chegou a participar, como convidado, de uma audiência pública realizada pela pasta de Direitos Humanos. Mas diz que não há, por ora, qualquer parceria à vista com o governo (embora esteja aberto a convites).
Nelson chegou a participar, como convidado, de uma audiência pública realizada pela pasta de Direitos Humanos. Mas diz que não há, por ora, qualquer parceria à vista com o governo (embora esteja aberto a convites).
Sobre a ideia de que está nessa para tirar uma grana: “E quem desses críticos pode patrocinar mensalmente o movimento? Estamos abertos a receber doações”.
O que não tem preço, para Bruno e Katiane, é a recompensa por se guardar para o casamento. Só o bullying que enfrentaram incomoda, diz ele. A esposa, que frequenta o meio acadêmico, foi excluída de círculos sociais e ganhou apelidos vexatórios, como santinha e virgenzinha.
Reclamação parecida tem a secretária-executiva Carla Duarte, 33. Com o tempo, contudo, a incompreensão de parentes e amigos amansou. “Por ter tirado o sexo e o namoro da primeira posição na vida, tive resultados melhores, pessoal e profissionalmente, do que os meus amigos que vivem o padrão ditado pela sociedade hoje.”
Carla faz parte do rol de “esperadores” que optou por abrir mão de sexo quando já não era mais virgem. A meta foi adotada em 2009, após terminar um namoro sexualmente ativo de cinco anos. “Eu queria construir um relacionamento maduro como o dos meus pais, casados há 42 anos, em que o sexo definitivamente não é a base.”
Ela está na maioria feminina (68% do público) que, segundo Nelson, frequenta os eventos do EEE. Seis de cada dez pessoas por lá são mais novos: têm de 18 a 24 anos.
O que para o pastor é o lucro maior, para quem escolheu esperar: seguir a palavra de Deus. Como diz um dos salmos prediletos no EEE: “Espera no Senhor, anima-te, e ele fortalecerá o teu coração;
espera, pois, no Senhor”.
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