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Saída de Teich preocupa, mas Ministério da Saúde já estava sem comando

Desde demissão de Mandetta, há descrédito ante falta de transparência, integração e coordenação de ações

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São Paulo

A segunda troca no comando do Ministério da Saúde em menos de um mês, no momento em que país vive a maior calamidade sanitária da sua história recente, preocupa mais pela instabilidade e insegurança que ela gera do que pelos efeitos práticos nas ações de saúde.

Na verdade, desde a saída de Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, a saúde federal está sem comando. Faltam transparência, integração e coordenação com estados e municípios. Há um descrédito, inclusive, nos dados divulgados sobre a pandemia.

Nos 28 dias em que esteve à frente do ministério, Nelson Teich nada pode fazer, além de aceitar ser desmoralizado quase que diariamente pelo chefe, o presidente Jair Bolsonaro. Ambos divergiam sobre medidas para o combate ao coronavírus.

A despeito de evidências científicas mostrarem que não há benefício no uso da cloroquina, Bolsonaro teima e quer alterar o protocolo do SUS, permitindo a utilização da substância desde o início do tratamento.

O decreto de Bolsonaro que ampliou as atividades essenciais no período da pandemia e incluiu salões de beleza, barbearia e academias de ginástica também foi publicado à revelia de Teich, que defendia as medidas de isolamento social.

Mandetta e sua equipe tinham conquistado o respeito e o respaldo dos setores público e privado de saúde pelo teor técnico-científico de suas ações.

A chegada de um Teich titubeante já tinha sido vista com desconfiança e descrédito na área, mas a esperança era a de que ele, pelo seu passado de conhecimento técnico na área, não jogaria o diploma de médico no lixo.

Agora, o temor é que medidas populistas e obscurantistas, como a questão da cloroquina, encontrem terreno fértil no novo ministro indicado por Bolsonaro.

Essa desarticulação causada pelos destemperos do presidente gerou um polvo de múltiplos tentáculos na saúde, que vão muito além da pandemia. Até os programas de residência médica e multiprofissionais foram afetados.

Pela primeira vez em dez anos, os residentes, muitos na linha de frente do combate à Covid-19, estão com bolsas atrasadas. Os ministérios da Saúde e da Educação não dão resposta, nem prazos e nem solução.

Há também o perigo de descontinuidade de políticas públicas fundamentais, como a da atenção primária à saúde, porta de entrada do SUS. Ninguém sabe como ficará a nova forma de financiamento proposta pela equipe de Mandetta.

A falta de acompanhamento dos doentes crônicos durante a pandemia deve provocar uma sobrecarga no sistema nos próximos meses, justamente no momento em que os cofres públicos estarão mais vazios com a queda da arrecadação.

Cirurgias que foram adiadas nesse período precisarão ser feitas. E cadê um plano para o sistema de saúde pós Covid-19? Não há.

As atitudes de Bolsonaro mostram que, além de não ter projetos factíveis para combater a pandemia, pouco se importa com o futuro do SUS e dos 75% dos brasileiros que dependem exclusivamente dele.

Ainda que estados e municípios tenham no comando gestores com o pé no chão e que não endossam as atitudes insanas do presidente, todos dependem de verbas federais para manter as ações de saúde.

Em um momento de tanto sofrimento e morte de brasileiros, o cenário vivido pelo país não poderia ser o pior: desgoverno, descrença na ciência e desprezo pela saúde e a vida das pessoas.

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