Quem conviveu com ela guarda recordações de uma mulher sensível, inteligente e culta. Recorda-se de seu senso de humor peculiar e ainda de seu rigor estético. Nos últimos dias de vida, chamou a atenção para um quadro preto que estava fora do lugar. Referia-se à tela da TV do quarto do hospital, desligada e desalinhada na parede.
Na última quarta-feira (3), a embaixadora e poeta Vera Pedrosa morreu, aos 85 anos, no Rio. Estava internada havia uma semana em consequência do agravamento de uma doença que provoca a falência da medula óssea em produzir células que formam sangue em quantidade suficiente.
Vera foi uma das primeiras mulheres a conquistar uma das posições de mais alto nível no Ministério das Relações Exteriores. Tornou-se pioneira na área do meio ambiente no Itamaraty, lugar que trabalhou por cerca de 40 anos.
Por onde esteve, Espanha, Peru, Holanda, Equador, Dinamarca e França, fez amigos. No Rio, cidade em que nasceu e voltou a morar depois de se aposentar, em 2008, as festas na casa dela costumavam reunir artistas plásticos, poetas, sociólogos, antropólogos, cineastas, fotógrafos e músicos, que admiravam a sua personalidade e as suas opiniões.
"Ela sabia e gostava de ouvir. Encantava todo o mundo com sua inteligência. Jamais alterava a voz, circulava por diferentes meios sempre da mesma maneira", conta a fotógrafa Bel Pedrosa, filha de Vera. "Acolhedora e generosa, minha mãe criava pontes de amizade, afeto e trabalho."
Assim como o fez por toda a vida, Vera se alimentava de um interesse incansável pelas artes. Partiu dela a iniciativa de divulgar a poesia brasileira numa edição bilíngue, lançada no fim dos anos 1970, quando era diplomata em Lima.
Outra proposta inovadora, visionária à época, foi a reunião de chefes de estado e de governo dos países árabes e da América do Sul, realizada em 2004, na capital Brasília.
Antes de trilhar uma reconhecida carreira diplomática, trabalhou como jornalista de 1960 a 1967, no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil. Vera também escreveu quatro livros de fina poesia. O primeiro, intitulado simplesmente "Poemas", nasceu em 1964. Seguiram-se a ele "Perspectiva Naturalis" (1978), "De Onde Voltamos o Rio Desce" (1979) e "A Árvore Aquela" (2015).
Em meio à censura e à repressão da ditadura militar, ela integrou, em 1976, a coletânea "26 Poetas Hoje", organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, considerada a mais importante antologia da poesia brasileira daquela década, compilando trabalhos da chamada geração mimeógrafo, composta por poetas à margem das grandes editoras.
"Vera era dona da conversa mais cativante que se possa imaginar, desde quando a conheci, em 1979, até a última vez que a vi, em 2020", conta a amiga Heloisa Jahn, editora.
Vera Pedrosa foi enterrada no cemitério São João Batista, em Botafogo, zona sul carioca, no mesmo túmulo onde estão os pais dela, o renomado crítico de arte Mário Pedrosa e Mary Houston Pedrosa. Deixa três filhos, dois deles artistas, Quito e Bel, e uma cientista, Lívia. Com eles, três netos, Pedro, Antônio e Inês. Sem contar os inúmeros amigos que fez mundo afora.
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