Descrição de chapéu Folhajus

Defensoria afirma que locais de crimes no Jacarezinho foram desfeitos sem perícia

Um rapaz foi morto no quarto de uma menina de 8 anos, diz defensora pública; advogado afirma que decisão do STF sobre ações policiais no RJ foi desrespeitada

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

A Defensoria Pública afirmou nesta quinta-feira (25) que alguns dos locais em que ocorreram as 25 mortes na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, após operação policial foram desfeitos antes da realização de perícia da Divisão de Homicídios.

A defensora pública Maria Júlia Miranda, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, que esteve no local, afirmou que houve alteração da cena do crime em ao menos três pontos. Duas delas ocorreram dentro de residências e outra num beco em que um homem foi morto, segundo ela, numa cadeira de plástico.

“Numa casa, a família foi tirada e morreram dois rapazes na sala. A sala está repleta de sangue e partes de corpo. Elas foram tiradas de dentro dessas casas já mortas. É desfazimento de cenas de crime”, disse Miranda.

A defensora afirmou que uma das mortes ocorreu no quarto de uma criança.

“Um rapaz foi executado no quarto de uma menina de oito anos. A cama dessa criança estava lotada de sangue, inclusive a coberta que ela usa. Essa criança está completamente traumatizada”, disse Miranda.

O estado está sob a vigência de uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que limita ações policiais em comunidades desde junho do ano passado, durante a pandemia do novo coronavírus. As polícias são obrigadas a justificar as incursões ao Ministério Público e exige a realização de perícias nos locais dos crimes.

Segundo Guilherme Pimentel, ouvidor-geral da Defensoria Pública, os moradores das duas casas em que houve mortes afirmaram que as vítimas foram retiradas sem vida do local.

“Isso não é um relato isolado no Jacarezinho. Ouvimos esse tipo de relato frequentemente”, disse Pimentel.

O advogado Joel Luiz da Costa, morador do Jacarezinho e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, afirmou que os donos das residências não têm qualquer orientação da polícia sobre o que fazer após a ocorrência de mortes em suas casas.

“A polícia entra, faz a ação e a pessoa é retirada daquele local supostamente para ser socorrida. A casa é largada. Aquelas pessoas têm que ficar no ambiente de crime e se virar”, afirmou Costa.

O advogado Daniel Sarmento afirmou que a ação desta quinta-feira contraria a decisão do STF que impôs regras para a realização de operações policiais.

“Tem havido descumprimento sistemático pelas polícias do Rio de Janeiro do que foi definido pelo Plenário do STF. Em uma operação policial em que além de um policial, 24 moradores são mortos, no mínimo as cautelas não foram cumpridas. Evidencia o claro descumprimento das decisões do STF”, disse Sarmento, um dos autores da ação no STF.

Sarmento criticou a atuação do Ministério Público do Rio de Janeiro no controle dessas operações, como determinou o STF.

“O acompanhamento da medida cautelar do STF que fala em comunicação ao MPRJ vem sendo tratado de forma burocrática. Não se averigua efetivamente se aquelas operações deveriam ou não ocorrer”, afirmou o advogado.

“A medida cautelar poupou cerca de cem vidas por mês. A partir de outubro, isso passa a ser sistematicamente descumprido, porque a polícia percebeu que não havia controle. Esse é um caso extremo, mas temos uma violação sistemática. Não é pontual”, declarou Sarmento.

A Human Rights Watch declarou que a Promotoria "deveria iniciar imediatamente uma investigação minuciosa e independente da operação".

O MP-RJ afirmou, em nota, que “vem adotando todas as medidas para a verificação dos fundamentos e circunstâncias que envolvem a operação e mortes decorrentes da intervenção policial”. “O MPRJ reafirma que todas as apurações serão conduzidas em observância aos pressupostos de autonomia exigidos para o caso, de extrema e reconhecida gravidade”, diz a nota.

O governo estadual do Rio de Janeiro divulgou nota em que "lamenta as vidas perdidas na operação da Polícia Civil" e defendeu a ação policial.

"A ação foi pautada e orientada por um longo e detalhado trabalho de inteligência e investigação que demorou dez meses para ser concluído. Para garantir a transparência e a lisura da operação, todos os locais de confrontos e mortes foram periciados. É lastimável que um território tão vasto seja dominado por uma facção criminosa que usa armas de guerra para oprimir milhares de famílias."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.