Descrição de chapéu Coronavírus

São Paulo ganha uma igreja por semana, e templos se espalham pelas periferias

Muitas vezes suprindo papel do Estado, evangélicas cresceram 34% na última década

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lucas Veloso Patrícia Vilas Boas Vagner Vital
Agência Mural

Instalada entre uma casa e um salão de beleza, a igreja Assembleia de Deus Ministério Missão tem uma pequena entrada com 2,5m de largura para receber os fiéis.

Ela foi aberta há quatro anos, quando seguidores entenderam que era importante ter mais um espaço em Cidade Ademar, distrito da zona sul de São Paulo.

Não estavam sozinhos. Nos últimos anos, 33 novos espaços religiosos surgiram no bairro. Também na zona sul, o Grajaú ganhou 37, e outros 26 foram abertos no Jardim Ângela. Isso oficialmente.

Dados do Pindograma, site de jornalismo de dados, mostram que, na última década, a cada seis dias, a cidade de São Paulo ganhou uma nova igreja evangélica.

Prédio baixo, térreo e um andar, com a fachada de baixo pintada de vermelho, uma porta metálica de correr, branca, e os dizeres IGREJA PODER DA FÉ
Fachada de igreja na zona leste de São Paulo - Weslley Galzo/Agência Mural

Os números, extraídos do IPTU paulistano, mostram que em 2011 havia 1.633 igrejas evangélicas. No ano passado, eram 2.186, crescimento de 34%. Entre os bairros das periferias, Cidade Ademar teve a alta mais expressiva de 200%.

Esse fenômeno, porém, é resultado de algo anterior, explica João Paulo Berlofa Gomes, 34, o pastor Berlofa. Ele vive na cidade de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, e aponta que o crescimento das igrejas evangélicas data do final da década de 1980 e começo dos anos 1990.

Para ele, promessas como “a Igreja e Deus vão resolver todos os seus problemas”, “vai te dar vitória em todas as suas lutas” e “vai garantir prosperidade financeira”, fizeram com que o movimento ganhasse seguidores.

“Vendia-se um produto muito bom”, aponta. “Mas as pessoas estão começando a perceber que ela vende essa teologia, esse tipo de fé, mas não entrega o que vende.”

A cientista social Amanda Souza, 24, concorda e cita a chamada Teologia da Prosperidade. O termo reflete as investidas das igrejas evangélicas na crença em meritocracia.

“Elas têm uma pregação muito próxima do cotidiano do trabalhador. As camadas populares e as quebradas bebem desse pensamento também. Na medida em que buscam recursos para a mobilidade social, têm na igreja um líder que serve como exemplo do que pode ser alcançado."

A alta dos últimos anos também está ligada ao fato de que um seguidor pode começar sozinho um novo espaço ou receber a missão de abrir uma unidade de uma igreja em um bairro. “Você abre a garagem da sua casa, coloca quatro cadeiras, um púlpito, um microfone, se autounge pastor, está tudo pronto”, resume Berlofa.

A abertura de uma nova igreja católica, por exemplo, depende da aprovação do Vaticano. Em dez anos, surgiram 116 novas igrejas católicas —aumento de 20%.

Quem frequenta os espaços religiosos enfatiza seu papel dentro da comunidade.

Moradora do Jardim Ângela, na zona sul, Jéssica Keyla Barreto Santana, 24, já fez parte da Assembleia de Deus e hoje é membro da Igreja Presbiteriana.

Ela conta que, em um momento difícil de desemprego, sua família recebeu ajuda de outros fiéis, que uniram esforços para arrecadar alimentos. “Ajudaram tanto minha mãe quanto quem precisasse ali na igreja.”

Entre as iniciativas recorrentes, ela cita a doação de roupas, cobertores e distribuição de cestas básicas. “Não adianta só dar o pão espiritual e esquecer que seu irmão precisa de um alimento, de uma veste”, diz.

Ela está parada em frente à grade da igreja, de blusa vermelha, casaco e máscara pretos, um livro na mão; ao fundo no muro de pedra se lê IGREJA PRESBITERIANA
Jéssica Keyla Barreto Santana, 24, do Jardim Ângela, frequenta a igreja presbiteriana e afirma que a igreja ajuda o bairro - Léu Britto/Agência Mural

Há 12 anos membro na Igreja de Jesus Cristo, Maria Senhora Alves, 38, que vive em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, diz que “ouvir a palavra de Deus e ensinar o verdadeiro evangelho” é a principal função social que a igreja cumpre.

“Minha igreja também ajuda, tem os trabalhos sociais. Isso é muito lindo, é o que Deus quer de nós", diz. “A igreja vai estar sempre aberta para receber essas pessoas."

Algumas igrejas realmente ficaram abertas mesmo na pandemia. A Assembleia de Deus Ministério Missão, citada no começo desta reportagem, foi uma das que não pararam nem sob a proibição estadual para prevenir o avanço da Covid-19.

“Estávamos fazendo apenas oração. Fazíamos uma hora nos dias específicos de culto", conta a assistente de atendimento Priscila Cardoso de Sá, 35. Fiel da igreja e esposa do segundo pastor, ela atua como regente do círculo de oração, grupo formado por mulheres que cantam nos cultos.

Com mais de um ano de pandemia, a questão do funcionamento de igrejas ganhou repercussão nacional. Conforme decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), estados e municípios podem selecionar os serviços essenciais, e os que não se enquadram devem ser fechados, de acordo com regras locais.

Alguns seguidores apontam os serviços realizados na periferia durante a crise sanitária como um motivo para abrir. "Hoje em dia, os mais favorecidos não se preocupam com os menos favorecidos. As igrejas, mesmo com pouco, conseguem ajudar aqueles que nada têm”, diz Priscila.

Algo lembrado de forma recorrente entre os entrevistados é esse papel social que supre, muitas vezes, a ausência do Estado.

A igreja é a instituição que mais contribui para a melhora da qualidade de vida da população paulistana, segundo a pesquisa mais recente da Rede Nossa São Paulo sobre o tema, feita em 2020. Os templos aparecem com 22%, seguidos pela prefeitura (19%) e ONGs locais (18%).

​Alexya Salvador, 40, é reverenda da Igreja da Comunidade Metropolitana. Para ela, a igreja “sempre foi a primeira a chegar a lugares onde as políticas públicas não chegam”.

Mas ela também diz ver no crescimento das evangélicas um nicho focado no dinheiro. “Infelizmente, uma teologia voltada para o dízimo e isso, muitas vezes, coloca o cristianismo como oportunidade de se ganhar dinheiro com a fé dos outros."

O aumento da presença das igrejas levanta ainda outra discussão: sua influência política no país. Atualmente, 31% dos eleitores são evangélicos, outros 50 % são católicos, segundo dados do Datafolha. No eleitorado nacional, 85% se dizem cristãos.

Perfil dos evangélicos no país

Segundo pesquisa Datafolha de janeiro de 2020

  • 31% dos brasileiros são evangélicos

    Maior presença está na região Norte, onde são 39% dos habitantes

  • 58% dos frequentadores de igrejas evangélicas são mulheres

    Entre os católicos, elas são 51%

  • 59% dos fiéis são negros

    Destes, 43% são pardos, e 16%, pretos

  • 49% têm escolaridade até o ensino médio

    Apenas 15% têm formação superior, e 35% estudaram só até o fundamental

  • 48% ganham até dois salários mínimos

    Só 2% têm renda maior que dez salários mínimos

A entrada das grandes comunidades pentecostais e neopentecostais na política data da década de 1980.

Nas eleições de 2018, as urnas fizeram aumentar a bancada evangélica no Congresso Nacional, de acordo com estudo do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), com base nos dados disponíveis no portal do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Na Câmara, foram eleitos 84 deputados identificados como evangélicos —9 a mais do que na eleição anterior. Entre os senadores, os evangélicos saíram de 3, em 2019, para 7. No total, o grupo, que tinha 78 integrantes, ficou com 91.

Em nível local, são 11 vereadores entre os 55 da Casa, porém, houve recuo de 3 cadeiras na comparação com o mandato passado.

“Os candidatos apoiados se aproximam das concepções pregadas, como o combate à corrupção e a proteção contra ataques aos valores da moralidade, da família tradicional e bons costumes”, aponta a cientista social Amanda. “Abertamente, líderes religiosos passaram a declarar seu apoio a candidatos. Esse alinhamento e influência colaboraram para que declarassem seu voto.”

Rapaz de camiseta preta e jeans, com máscara preta, em frente a fachada espelhada que reflete a rua e ao lado de cartaz com lista de alimentos para compor cesta básica que podem ser doados à igreja
Maick Domingues Negrini dos Santos, 22, morador do Jardim Tietê, na zona leste, ao lado de cartaz sobre arrecadação de alimentos na Igreja Universal - Léu Britto/Agência Mural

O autônomo Maick Domingues Negrini dos Santos, 22, morador do Jardim Tietê, na zona leste, diz que a igreja não tem boa relação com o Estado. “Podemos ver agora, nessa pandemia, o Estado no começo não reconheceu que instituições religiosas são serviços essenciais."

Maick também diz que, pelo trabalho exercido pelos evangélicos, o reconhecimento social deveria ser maior.

​Para o pastor Berlofa, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é um exemplo de uma relação entre igreja e Estado que não deveria existir no mundo ideal.

“Nós temos a teoria em que a igreja não deve se misturar com o Estado, mas o Estado é influenciado, mandado, cobrado, patrocinado, sempre debaixo dos panos.”

Esta reportagem foi feita em parceria com o Pindograma, site de jornalismo de dados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.