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Tribunal militar absolve PMs suspeitos de estuprar vítima dentro de viatura no litoral paulista

Juiz entendeu que mulher não tentou impedir ato sexual; soldado foi condenado por libidinagem

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São Paulo

O Tribunal de Justiça Militar de São Paulo absolveu no mês passado dois policiais militares suspeitos de terem estuprado uma mulher no interior de uma viatura policial em Praia Grande (litoral paulista), em junho de 2019, durante o turno de trabalho.

De acordo com a decisão do juiz Ronaldo João Roth, da 1ª Auditória do TJM, não ficou provado no curso do processo que tenha havido conjunção carnal contra a vítima, com ela disse, nem violência ou grave ameaça na prática de sexo oral.

Segundo o magistrado, a mulher não tentou impedir o ato sexual nem pedir ajuda.

“Ela poderia dizer não à intenção do corréu Danilo, ela poderia resistir, ela poderia chamar o outro corréu (motorista) para se ver livre daquela situação, mas nada fez”, aponta trecho decisão, sobre o sexo oral.

Veículo da PM acessam prédio da corregedoria da corporação durante trabalhos de investigação - Leonardo Benassatto/Futura Press/Folhapress

Na avalição do juiz, a prática do sexo oral ficou comprovada, até porque o próprio soldado Danilo de Freitas Silva, um dos policiais envolvidos, admitiu que ele ocorreu, embora alegue ter sido um ato consensual.

“Parte da versão da vítima que não encontra lógica na prova dos autos de que ela foi obrigada, mediante constrangimento, por violência física, à prática de sexo oral e à conjunção carnal”, diz trecho da sentença.

Um dos motivos que levaram o juiz a acreditar numa relação consensual, ainda de acordo com a decisão judicial, foi o depoimento do soldado Anderson Silva da Conceição, motorista da viatura, que negou ter havido ameaças ou violência.

Conceição acabou absolvido de todas as imputações e Silva foi condenado a 7 meses e 7 de detenção, em regime aberto, pelo crime de libidinagem, conforme prevê o artigo 235 do Código Penal Militar.

Citando a obra do professor Damásio de Jesus, Roth afirmou que negativa do estupro precisa ser sincera, positiva e inequívoca. “Não bastam, pois, as negativas tímidas (quando os gestos são de assentimento) nem a resistência passiva e inerte”, cita ele.

A decisão do juiz Roth, muito criticada nas redes sociais por diversas entidades, atendeu ao pedido do Ministério Público, que afirmou não ter havido um estupro por parte de Danilo Silva, mas, sim, crime de libidinagem –por ter sido um ato sexual consensual.

Para o promotor Edson Corrêa Batista, Conceição não cometeu crime. O membro da Promotoria afirmou não ter provas do estupro e que a vítima não pediu socorro ao motorista da viatura.

“Num esforço mínimo e natural é plenamente factível que a vítima solicitasse a intervenção do motorista da viatura para fazer cessar a agressão sexual. Diante de todo o arrazoado supra, ausente prova cabal e inarredável de violência ou grave ameaça”, diz trecho do pedido da Promotoria.

“Trata-se de crime sexual militar, visto que a disciplina e a hierarquia não se coadunam com a promiscuidade sexual praticada por policiais militares em pleno exercício de função de natureza militar”, conclui o promotor.

A advogada do policial Danilo de Freitas Silva, Flávia Artilheiro, disse ter concordado com a decisão da Justiça.

“O processo tramitou de maneira célere e respeitosa para com todas as partes envolvidas, assim como observou a garantia constitucional da presunção de inocência. Na sentença analisaram-se de maneira detalhada todas as provas do processo, chegando-se a um resultado que a defesa de Danilo compreende justo”, afirmou ela.

A defensora Paula Sant'Anna Machado de Souza, do Núcleo Especializado de Proteção e Defesa dos Direitos das Mulheres e assistente da acusação do processo, disse foi até difícil explicar à vítima a decisão do TJM.

Ainda segundo, as investigações conseguiram reunir conjunto probatório “muito potente e também singular” que permitiam a condenação.

Entre as provas estão as marcas no corpo da vítima, imagens de câmeras, esperma nas roupas e, principalmente, o comportamento da vítima, que pediu ajuda à própria PM assim que desceu da viatura em que foi atacada. “Geralmente não se têm tanta prova em crimes de violência sexual”, afirmou ela.

Mulheres de movimentos sociais fazem manifestação em frente ao STF contra a cultura do estupro - Pedro Ladeira/Folhapress

A defensora afirma lamentar que, mesmo diante de tantas provas, o juiz tenha prefeirdo analisar o comportamento da vítima, inclusive a forma como ela deveria ter gritado para pedir socorro.

“Isso demostra, para nós, que a sentença então passou da ótica, da análise, do conjunto probatório e as das versões apresentadas para analisar uma possível conduta da vítima”, afirmou. “Infelizmente, isso é muito comum nos crimes de violência sexual”, complementou.

D​e acordo com as investigações, o crime ocorreu por volta das 23h30 do dia 12, quando a vítima procurou os PMs, próximos a um shopping de Praia Grande, para pedir uma informação. Ela precisava de orientação para voltar de ônibus à vizinha São Vicente, também no litoral, onde mora com a família.

Conforme a jovem, um dos PMs passou a perguntar se ela era casada e se era maior de idade.

A vítima aceitou a carona, mas, ao sentar-se no banco de trás do carro, um dos PMs sentou-se ao lado e imediatamente começou a assediá-la sexualmente. O policial teria obrigado a vítima a fazer sexo oral nele e, em seguida, forçado violentamente a penetração.

Ao serem ouvidos, os soldados afirmaram que, de fato, deram carona à jovem, mas que nada aconteceu.

Laudo do IML (Instituto Médico Legal) diz que a vítima “apresenta sinais de lesões corporais de natureza leve” nas partes íntimas, o que, segundo o documento, “pode ser compatível com ato sexual recente”.

De acordo com a Promotoria, chegou-se à prova de que tinha havido conjunção carnal recente. “Todavia, a própria vítima confirmou ter mantido relações sexuais recentes com o seu namorado (três ou quatro dias antes), antes do evento”, diz trecho.

Procurado, o promotor responsável pelo caso não quis comentar o assunto. "O caso foi remetido para ciência do MP na quarta-feira (23/6), está sendo analisado e tramita em segredo de Justiça", diz nota.

De acordo com a PM, os policiais ainda respondem a processo disciplinar demissionário pela instituição e seguem afastados do trabalho operacional.

“Cumpre esclarecer que o processo administrativo é independente do processo penal-militar. Em que pese a decisão do TJM, ainda há graves infrações sendo apuradas em Processo Regular.”

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