Exército vai cortar distribuição de água no semiárido de MG em plena seca

Programa de caminhões-pipa será suspenso, conforme comunicado enviado a prefeituras

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Belo Horizonte

Exatamente num momento de forte seca, o Exército Brasileiro vai cortar o fornecimento de água potável por caminhões-pipa para municípios do Vale do Jequitinhonha e do norte de Minas Gerais —regiões que fazem parte do chamado semiárido do estado e que já sofrem normalmente com a falta d'água.

Em Minas 127 municípios já decretaram estado de emergência este ano por conta da seca, todos localizados ou na região norte ou nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri, segundo dados desta quarta-feira (25). Há quatro meses, no fim de abril, 74 cidades estavam nessa situação.

Documento do Ministério da Defesa e do Exército Brasileiro enviado a prefeituras do semiárido mineiro comunicando suspensão de programa de fornecimento de água potável via caminhões-pipa - Reprodução

Prefeitos receberam um comunicado, ao qual a Folha teve acesso, emitido pelo 55º Batalhão de Infantaria do Exército, baseado em Montes Claros, uma das principais cidades do norte de Minas, informando sobre a suspensão do fornecimento de água.

Os caminhões-pipa atendem principalmente comunidades afastadas das sedes dos municípios. O documento, de caráter urgentíssimo, é assinado pelo comandante do batalhão, o coronel Hidelgard Borba de Vasconcelos.

A justificativa do cancelamento é falta de dinheiro. O texto de 12 de agosto afirma que a paralisação no fornecimento do serviço ocorrerá em a partir de 20 de setembro —o Exército disse que o serviço continuará suspenso até dezembro.

O programa de distribuição de água potável do Exército, batizado de Operação-Pipa, foi criado há mais de 20 anos e chega a nove estados: além de Minas Gerais, atende ainda a Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe.

Em Minas, conforme informações do site do Exército, cinco municípios participam do programa, sendo que todos estão entre os que já decretaram estado de emergência pela falta d'água. A lista inclui Espinosa, Francisco Sá, Jaíba e Manga (na região norte) e Itaobim (no Vale do Jequitinhonha).

Ao todo, 13 veículos participavam da distribuição de água na região, que beneficiava uma população de 11.916 moradores.

"Não sei o que vou fazer. A prefeitura não tem estrutura para levar essa água às comunidades", afirma o prefeito de Manga, Anastácio Guedes Saraiva (PT). No município, segundo o Exército, 4.592 pessoas dependem dos caminhões-pipa.

O prefeito afirma que está tentando reunir outros chefes do Poder Executivo das cidades que terão o fornecimento de água suspenso para pressionar os militares a manterem as entregas.

O comunicado sobre o fim do serviço já foi feito também à prefeitura de Espinosa, onde, ainda segundo o Exército, a água dos caminhões-pipa atendem a 1.970 pessoas.

Tudo seco

O cenário de falta d'água no semiárido mineiro piora a cada ano, afirma Paulo Sérgio Vieira Magalhães, presidente da Associação de Moradores da Comunidade de Palmito, no município de Montes Claros, que também já declarou situação de emergência pela seca.

A comunidade, onde moram cem famílias, é atendida por dois rios, o Ressaca e o das Irmãs. O problema é que nenhum deles é perene —ou seja, a água só corre no período das chuvas, que cada vez é menor, segundo Magalhães.

"Não tem chovido. Com isso, os rios não seguram mais água. Há dez anos encerrava-se o período de chuvas e eles corriam até agosto. Atualmente chove e nenhum dura mais que dois meses", relata. O período normal de chuvas na região começa em outubro e vai até março.

Outro problema que vem sendo enfrentado pela população é em relação aos poços artesianos, que também estão secando. "As famílias dependem exclusivamente dos caminhões-pipa", diz o representante dos moradores de Palmital.

Em relação à comunidade, no entanto, o fornecimento de água via caminhões-pipa é feito pela prefeitura de Montes Claros que mantém o fornecimento sem interrupções.

No entanto, a água é repassada para consumo humano. Animais domésticos também a usam, mas plantações, por exemplo, ficam prejudicadas. "Quando os rios corriam por mais tempo, bombas retiravam água e levavam para irrigar hortas, por exemplo", afirma Magalhães.

Exército diz que cuida apenas da execução do programa

A reportagem entrou em contato com o Exército para saber sua posição sobre o fim do fornecimento de água potável via caminhões-pipa em cidades do semiárido de Minas.

Em nota, os militares afirmaram que a Operação-Pipa foi criada por uma cooperação técnica e financeira entre os ministérios do Desenvolvimento Regional e da Defesa.

"O seu objetivo principal é promover o abastecimento de água potável para o consumo humano na região do Nordeste e no norte de Minas Gerais. Nesse contexto, o Exército Brasileiro é responsável apenas pelas ações que envolvem a execução das Operações".

Também em nota, o Ministério do Desenvolvimento Regional afirma que há recursos suficientes para manter a operação apenas até o final do mês de agosto, "quando o montante aprovado na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2021 será utilizado em sua integralidade".

O texto diz ainda que a pasta "busca alternativas no âmbito do Governo Federal para garantir a execução da Operação e evitar prejuízos".

Segundo a pasta, os valores repassados a cada ano para o programa mudam dependendo das demandas dos municípios, "respaldadas no reconhecimento federal da situação de emergência por seca ou estiagem —que tem relação com a sazonalidade climática (ocorrência de chuvas)".

Em junho, o valor repassado foi de R$ 55,3 milhões.

O Ministério da Defesa ainda não se posicionou sobre o corte no fornecimento de água para as cidades do semiárido mineiro.

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