Descrição de chapéu Rio de Janeiro Folhajus

Favelas ocupadas no Rio não registram os maiores índices criminais, indica estudo

Levantamento vai ao encontro de críticas sobre suposta falta de critérios no Cidade Integrada

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Rio de Janeiro

As favelas ocupadas no Rio de Janeiro no último mês, no contexto do Cidade Integrada, novo projeto do governo de Cláudio Castro (PL), não estão entre as que reúnem os maiores índices de criminalidade, mostra estudo elaborado pelo Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense).

A conclusão do levantamento vai ao encontro de críticas feitas por especialistas da segurança pública e defensores dos direitos humanos, que questionam uma suposta falta de critérios e metas concretas na elaboração do programa, assim como a ausência de diálogo prévio com outros atores.

Anunciado a nove meses das eleições, o Cidade Integrada contará com um investimento inicial de R$ 500 milhões. A primeira etapa teve início no dia 19 de janeiro, quando 1.300 agentes militares e civis ocuparam as favelas do Jacarezinho (e a vizinha Manguinhos), dominada pelo Comando Vermelho, e da Muzema, controlada por uma milícia.

O governo afirma que o projeto não é uma continuação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), e promete levar uma série de serviços e investimentos para os moradores das comunidades.

Policiais no Jacarezinho, no Rio, no último dia 19 - Alexandre Loureiro/Reuters

Levantamento produzido pelo Geni, com base em microdados do ISP (Instituto de Segurança Pública) de 2015 a setembro de 2021, aponta que o Jacarezinho é o 83º bairro da capital, entre 160, com o maior número de casos de letalidade violenta —foram 35 registros no período.

O índice reúne homicídio doloso, morte por intervenção policial, latrocínio e lesão corporal seguida de morte.

O Itanhangá, onde fica a Muzema, aparece na 64º posição na lista, com 62 casos. Manguinhos está em 48°, com 80 registros de letalidade violenta.

Os bairros que reúnem os maiores números são Bangu (623), Santa Cruz (491), Campo Grande (388), Realengo (383) e Pavuna (339), quase todos na zona oeste da cidade.

Dos 11.943 casos no período, em 1.168 (9,8%) não há indicação sobre o bairro da ocorrência. Por esse motivo, parte das 28 mortes que ocorreram em operação no Jacarezinho em maio do ano passado não foi contabilizada no levantamento.

O Geni produziu ainda outro estudo, a pedido da Folha, que confirma que as favelas ocupadas em janeiro não estão entre as regiões com os maiores índices criminais.

Nesse levantamento, também de 2015 a setembro de 2021, os pesquisadores se basearam em dados do ISP referentes às Cisps (Circunscrições Integradas de Segurança Pública), menor pedaço geográfico de apuração dos indicadores de criminalidade.

A Cisp que reúne os bairros do Engenho Novo, Jacaré, Jacarezinho, Riachuelo, Rocha, Sampaio e São Francisco Xavier aparece em 13º no ranking da letalidade violenta, com 349 casos. A primeira, com 1.088 registros, engloba os bairros de Bangu, Gericinó, Padre Miguel e Senador Camará.

Coordenador do Geni, o professor Daniel Hirata afirma que o objetivo do levantamento foi demonstrar que dois dos principais problemas associados à segurança pública —os homicídios dolosos e a letalidade policial— não foram utilizados como critérios para a definição de quais favelas seriam ocupadas pelo Cidade Integrada.

"Parece que o governador vai dar esse banho de loja em dois lugares, até o final do período eleitoral, e oferecer essa resposta comunicacional. Isso é absolutamente insuficiente", diz.

Durante o anúncio do programa, o governador Cláudio Castro foi questionado sobre o critério para a escolha das favelas que seriam ocupadas, e afirmou que era necessária uma intervenção no Jacarezinho "depois de tudo o que aconteceu" —em referência às 28 mortes em uma única operação no ano passado.

"Era o clamor da comunidade e da sociedade inteira. É impressionante, eu andando nas ruas, as pessoas falam 'governador, tem que ter alguma coisa no Jacarezinho", disse.

Notícia publicada no site oficial do governo do Rio de Janeiro afirma que a escolha do Jacarezinho e da Muzema levou em consideração critérios como o índice de criminalidade e o número de habitantes. A Folha questionou a assessoria de imprensa do governo sobre quais foram os índices observados, mas não obteve resposta.

Ao anunciar o projeto, Castro afirmou que não haverá novas ocupações até que se consigam resultados positivos com a ação inicial, mas não esclareceu quais são exatamente as metas estipuladas. Ele também rebateu as críticas de falta de diálogo antes do lançamento do programa.

"Quem quiser, em vez de simplesmente ir ao jornal criticar, estamos sim de ouvidos abertos. Essa turma nunca dá uma opinião para construir, é sempre para destruir. Ainda assim, o governo está de portas e ouvidos abertos para que a gente possa ouvir esses doutos especialistas", afirmou.

Coordenador da Rede de Observatórios da Segurança, o sociólogo Pablo Nunes diz que a instituição também acompanha os índices de criminalidade e confirma que as favelas ocupadas pelo governo não estão entre as que reúnem os maiores números da letalidade violenta.

"O estudo do Geni dá mais um elemento para afirmar que esse é um projeto que não se baseia no que há de melhor nos estudos de segurança pública no Rio de Janeiro. É mais uma das constatações que nos fazem ter a certeza de que esse projeto é baseado exclusivamente em opiniões ou marketing, tendo em vista o ano eleitoral", afirma.

Nunes ressalta que o governo não apresentou objetivos concretos ou elencou estudos de avaliação e construção de indicadores para a escolha dos territórios, assim como não anunciou as metas do programa, ou como elas serão monitoradas.

O sociólogo Ignacio Cano, coordenador do LAV (Laboratório de Análise da Violência) da ​Uerj, concorda que a escolha do Jacarezinho e da Muzema respondeu mais a critérios políticos do que técnicos.

"Não houve, que se saiba, um estudo técnico prévio, uma negociação com as lideranças, nem com a prefeitura sobre isso. É claramente um programa com intenção eleitoral, para mostrar que o estado é capaz de entrar nessas áreas consideradas dominadas pelo crime", diz.

Ainda assim, ele afirma que a iniciativa já é um avanço considerando o histórico do governo Castro na segurança pública, e diz que agora o mais importante é mudar a forma como o policiamento é feito nas favelas. Já há denúncias de violações de direitos humanos pela polícia desde a ocupação no Jacarezinho.

"Acho muito positivo que esse governo que patrocinou tiros na cabecinha [em referência à fala do ex-governador Wilson Witzel, de quem Castro foi vice], que desobedeceu determinações do STF e continuou fazendo operações em meio à pandemia, diga agora que esse projeto começou sem confronto, sem mortes. Já me parece um avanço em si mesmo, uma tentativa de acenar para outras audiências, diferentes das que vinha acenando com o discurso de bandido bom é bandido morto", afirma.

Nesta quarta-feira (2), está prevista a retomada da discussão no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a ADPF 635, no contexto da qual o ministro Edson Fachin restringiu as operações no Rio de Janeiro para casos excepcionais enquanto durar a pandemia da Covid-19.

Em petição apresentada na última segunda (31), os autores da ação ressaltam que a letalidade policial foi ignorada na elaboração da nova política de segurança, representada na figura do Cidade Integrada.

"Em nenhum dos seus discursos sobre o Cidade Integrada, o governador falou sobre a necessidade de reduzir as mortes e violações de direitos humanos provocadas por intervenção de agentes de Estado. Ainda mais gravemente, o Decreto Estadual (...) que instituiu o programa não contém uma linha sequer sobre o assunto", diz o texto.

Na petição, os autores pedem que seja priorizada a instalação de sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança que atuarão no novo projeto.

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