Oito centros de acolhimento à população de rua em São Paulo reúnem problemas como teto ruindo, fezes de pombos em colchões e percevejos. É o que aponta um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal obtido com exclusividade pela Folha.
A comissão, liderada pelos vereadores Erika Hilton (PSOL) e Eduardo Suplicy (PT), visitou os locais no segundo semestre do ano passado, partindo de uma amostragem a fim de mostrar o cenário dos centros. Por isso, incluiu todas as zonas da capital, com destaque para a região central, onde se concentra a maior oferta de acolhimento.
As visitas ocorreram em diferentes tipos de centro, como emergenciais e fixos, e voltados a diferentes perfis —aceitam apenas mulheres, homens, famílias e mistos. Também foram avaliados tanto centros tradicionais quanto os que oferecem privacidade e autonomia. Todos os estabelecimentos visitados apresentavam problemas, segundo a comissão.
O secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Carlos Bezerra, disse estar ciente do relatório e que sua gestão finalizou um cronograma para realizar assembleias com pessoas em situação de rua que utilizam os equipamentos.
Hilton disse que a situação é desumana. "Numa conjuntura de aumento da população em situação de rua, crescimento da miséria, os poucos serviços de assistência estão abandonados. Nenhum dos aparelhos visitados tinha privadas, pias e chuveiros que funcionassem plenamente."
"Vimos lugares em situação muito precária e se faz urgente que atitudes sejam tomadas", acrescentou Suplicy.
No quesito segurança, o relatório mostra que 88,9% dos espaços visitados apresentavam questões de segurança que ameaçavam a integridade física e psicológica dos usuários. Nos estabelecimentos com presença de crianças, por exemplo, contatou-se a falta de tela de proteção em janelas de andares superiores, o que pode causar quedas.
Um dos centros com problemas era o CA Zaki Narchi, na zona norte. A estrutura metálica do teto estava "ruindo", segundo o relatório. Também foi descoberta a presença de gás metano no terreno, contaminado.
No CTA Lapa, na zona oeste, foram encontrados extintores fora do prazo de validade. O centro, criado em 2017, não contava com AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiro).
A cozinha e refeitórios de mais da metade dos centros visitados apresentavam problemas. Os casos mais graves foram vistos no CTA Lapa e CA Zaki Narchi, onde a estrutura do teto possibilita a entrada de pombos, que faziam fezes no local.
Em conversa com usuários, a comissão ouviu relatos de que as refeições servidas não supriam a necessidade diária e, por isso, muitos dependiam da doação de marmitas.
Segundo o documento, a qualidade da alimentação era inferior em locais que dependiam de fornecimento externo, terceirizado, com a entrega de marmitas prontas. Nesses casos, era comum o relato de falta de variedade da alimentação e comida servida fria.
Todos os quartos visitados reuniam problemas. Os do CTA Lapa, Zaki Narchi e Centro Emergencial Tietê receberam a pior avaliação, sobretudo pela presença de percevejos. A comissão se deparou ainda com ambientes insalubres, com mofo, pouca ventilação, falta de limpeza e fezes de pombos em colchões, caso do CA Zaki Narchi.
Além disso, todos os centros visitados tinham banheiros com falta de estrutura. No Centro Emergencial Tietê, a proporção era de um chuveiro para 23 pessoas e de um vaso sanitário para 46. No CA Solidariedade, na zona sul, a proporção era de um chuveiro e de um vaso sanitário para cada 30 pessoas.
Outro lado
Em relação aos centros citados na reportagem, o secretário Carlos Bezerra afirmou que tem atuado para sanar os problemas identificados.
O Zaki Narchi, de acordo com ele, é o primeiro caso do chamado reordenamento, ou seja, está sendo desmontado para a criação de outros quatro centros com capacidade de até 200 pessoas. A transferência deve começar em 20 dias e a expectativa é que o processo seja concluído em até 70 dias.
No CTA da Lapa, também foi iniciado o processo de reordenamento.
Já o Centro Emergencial Tietê, criado em meio à pandemia, foi desativado.
No CA Solidariedade, de acordo com o Bezerra, a prefeitura não detectou problemas.
Outro que aparece no relatório é o CAE Art Palace, que deve ser desativado. Mas, devido à desistência do hotel que abrigaria as vagas, a prefeitura agora busca um novo local para realizar a transferência.
O secretário disse que a escolha de fechar os centros se dá, principalmente, porque muitos espaços estão muito degradados e estruturalmente não "faz mais sentido fazer uma reforma".
Bezerra acrescentou que a decisão de abrir centros com menor capacidade tem como objetivo oferecer um atendimento mais digno. "Quanto maior a capacidade de pessoas, menor a possibilidade de dignidade no atendimento e menores as possibilidades de saída."
Ao todo, segundo o secretário, hoje a cidade tem 117 serviços de acolhimento com pernoite para as pessoas em situação de rua, com um total de 15 mil vagas.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.