Descrição de chapéu datafolha

8 a cada 10 veem aumento de pessoas em situação de rua em São Paulo e Rio, revela Datafolha

No interior, 1 a cada 4 diz que responsabilidade pelos problemas dessa população é das próprias pessoas que vivem em vulnerabilidade

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São Paulo

"A população em situação de rua é algo que aumentou tanto que está banalizado. Há gente nas calçadas e viadutos de toda a São Paulo. É como uma árvore, que já faz parte da paisagem", avalia Sebastião Nicomedes, o Tião, que já viveu nas ruas da capital paulista e depois trabalhou na Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS).

Sua percepção é semelhante à de 8 a cada 10 paulistanos e cariocas, que dizem ter percebido aumento na população em situação de rua nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, segundo pesquisa Datafolha.

No interior desses estados, as opiniões são mais divididas: 56% dos paulistas acham que a população nas ruas aumentou e 42% acham que diminuiu ou continua igual. Entre fluminenses, essas proporções são de 52% e 47%, respectivamente.

A pesquisa Datafolha entrevistou, nos primeiros dias de abril, 1.806 pessoas em 62 municípios de São Paulo, com margem de erro de dois pontos, sendo 840 entrevistas na capital, com margem de três pontos. No Rio de Janeiro, foram entrevistadas 1.218 pessoas em 30 municípios fluminense, com margem de erro de três pontos, e 644 pessoas na capital, com margem de quatro pontos.

Henrique Santos do Nascimento debaixo do viaduto do Glicério; ele mora na rua desde os 14 anos - Zanone Fraissat/Folhapress

Em São Paulo, o último censo da população de rua apontou para um contingente de 31.884 pessoas morando nas ruas da cidade em 2021, um aumento de 30% em relação a 2019. Estudiosos e integrantes de movimentos de pessoas em situação de rua estimam que houve subnotificação e que essa população já bateu na casa das 40 mil pessoas.

Isso quer dizer que de 2019 a 2021 foram para a rua pelo menos 7.540 pessoas —quantidade maior que o total da população em situação de rua levantada pelo censo no Rio de Janeiro, onde a prefeitura contou 7.272 pessoas morando em calçadas e viadutos ou em albergues da cidade.

Para Silvia Schor, professora da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração) e coordenadora das primeiras pesquisas censitárias com pessoas nessas condições, realizadas no âmbito da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisa Econômica), o crescimento de 2019 para 2021 foi bastante expressivo, mas não pode ser creditado somente à pandemia.

"Esse aumento foi empurrado pela perda de renda e emprego, pelo crescimento do mercado informal e por toda a desgraceira que ocorreu no país desde o início da pandemia. Mas é uma população que já vinha aumentando, ano a ano, há bastante tempo. E este é um fenômeno que acontece não só no Brasil, mas nos EUA, no Canadá, na Inglaterra e até em um ou outro país escandinavo", explica ela, que coordena a Rede Brasileira de Pesquisadores sobre População em Situação de Rua.

A pesquisa Datafolha perguntou também para habitantes dos estados de SP e RJ de quem era a responsabilidade pelos problemas que envolvem pessoas em situação de rua. E, novamente, os resultados evidenciam as diferenças entre capitais e interior.

Em São Paulo, essa atribuição recai primeiro sobre o governo estadual (30%) e, depois, sobre prefeitura (19%) e as próprias pessoas em situação de rua (16%). No interior paulista, a responsabilidade é primeiro atribuída às próprias pessoas em situação de rua (27%), seguidas de governo estadual (25%) e prefeitura (19%).

Menos mencionado, o governo federal é apontado como responsável para 16% dos moradores da capital paulista e 13% de quem vive no interior.

No Rio de Janeiro, cariocas responsabilizam governo do estado (27%), prefeitura (20%) e as próprias pessoas em situação de rua (26%), enquanto, no interior, são mais citadas as próprias pessoas (26%) e a prefeitura (26%), seguidas do governo do estado (24%).

Apenas 2% das pessoas no estado de SP e 5% das pessoas no estado do RJ apontaram que todos os governos são responsáveis.

Para Tião, 53, que milita em movimentos ligados à população em situação de rua, "ninguém quer entender dos problemas dessas pessoas, só querem ver as ruas livres delas".

"É uma responsabilidade de todos e de cada cidadão, de quem está na rua e de quem vê o outro na rua. É dos governos federal, estadual e municipal. Gestões de saúde, habitação, assistência social, Judiciário e segurança pública têm responsabilidade no quadro atual", diz. "E também ONGs que recebem recursos, mas não entregam resultado à altura", critica ele, que passou de assistido a assistente.

"Pessoas revirando o lixo ou crianças pedindo dinheiro e comida na rua é o nosso atestado de falência como sociedade. E as pessoas não querem conviver com isso", afirma a advogada Luciana Ribas, pesquisadora de políticas públicas para essas pessoas. "Lidar com o aumento da população em situação de rua é assumir que, como nação, estamos numa crise humanitária."

Para ela, a história da legislação penal no Brasil ajuda a explicar o medo, o desprezo e a associação à criminalidade geralmente relacionadas às pessoas que estão em situação de rua. "Nossa primeira Constituição, de 1824, nomeava vadios e mendigos, que eram proibidos de votar. E todas as nossas legislações penais previram a prática de mendicância e de vadiagem como uma contravenção", explica.

Entre casos mais recentes, está a fala da ex-primeira dama do estado de São Paulo Bia Doria, que, em plena pandemia, pediu que os paulistas parassem de doar marmitas porque isso funcionava como "um atrativo" para quem "gosta de ficar na rua". Lógica semelhante usou a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) em relação ao trabalho assistencial do padre Julio Lancellotti na cracolândia.

"As ações sociais precisam ir além do assistencialismo e promover a cidadania, mas a miséria é tamanha que as pessoas não podem esperar até a política pública acontecer como deveria", aponta Ribas, que integra o Fórum da Cidade em Defesa dos Direitos da População de Rua e presta assessoria jurídica para movimentos da população de rua.

Uma terceira pergunta da pesquisa Datafolha investigou como paulistas e fluminenses avaliam as políticas municipais para pessoas em situação de rua.

Em São Paulo, elas são ótimas ou boas para 18%, regulares para 33% e ruins ou péssimas para 46% —percentual que sobe para 63% na capital. No Rio de Janeiro, as ações das prefeituras são tidas como ótimas ou boas para 11%, regulares para 28% e ruins ou péssimas para 58% —número que sobe para 70% na capital.

Schor explica que as três esferas de governança têm responsabilidade nas políticas para a população em situação de rua.

"O governo federal legisla e define programas e condições que têm de ser de responsabilidade de estados e municípios, porque é uma população diversa e que difere muito de um lugar para outro", explica a professora e pesquisadora. "A instância municipal é identificada como a mais adequada, via de regra, porque é preciso ter contato com essa população, saber o que está acontecendo."

Para ela, a Prefeitura de São Paulo articulou políticas emergenciais para essa população durante a pandemia, mas nada perto do que foi feito em cidades da Inglaterra, por exemplo, onde 95% das pessoas nas ruas foram alocadas em hotéis. "As medidas foram emergenciais e insuficientes", aponta.

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