Descrição de chapéu Rio de Janeiro Chuvas

Mãe e 7 filhos soterrados em Paraty moravam num único cômodo

Sete membros da família morreram; menino de 12 anos está internado em estado gravíssimo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

A casa que hoje virou terra era apenas quatro paredes e uma lona. No primeiro espaço dormiam Lucimar, 36, Lucimara, 17, Luciano, 15, Dorqueu, 12, Jasmin, 10, Iasmim, 8, Estevão, 6, e João, 2. No segundo, ao ar livre, ficava o fogão à lenha. Ao lado, o mato servia de banheiro.

O peixe não durava mais de um dia sem geladeira nem luz elétrica, então a mãe ia todo dia buscar mais na praia. A cultura caiçara ensina que, assim que se volta à costa com a rede cheia, se reserva uma parte àqueles que não têm como comprar.

Era o caso da família Campo, que morreu quase inteira, se protegendo da tempestade que caía no início da manhã de sábado (2). O morro que deslizou atrás do cômodo de pau a pique soterrou a mãe e sete filhos, deixando vivo apenas o de 12 anos, que está internado em estado gravíssimo.

Mãe e seis filhos da família Campos que morreram soterrados durante chuvas em Paraty (RJ) - Arquivo pessoal e André Paratia

Sete das cerca de 50 casas da vila foram destruídas, mas essa foi a única que deixou vítimas fatais durante a chuva forte que atingiu Paraty, na Costa Verde fluminense, por mais de dois dias. Outras 13 morreram na vizinha Angra dos Reis e na região metropolitana do Rio de Janeiro desde quinta (31).

Quatro horas de trilha ou 25 minutos num barco "voadeira" separam a praia de Ponta Negra dos pontos habitados mais próximos, mas só se o vento não soprar forte do Sul ou do Sudoeste, porque o mar ali é aberto. Os únicos meios de sobrevivência são o turismo e a pesca, hoje ameaçada por grandes barcos.

A vila cercada de morros e cachoeiras fica incrustada na sobreposição de duas reservas ambientais: a APA (Área de Proteção Ambiental) de Cairuçu, federal, e a Reserva Ecológica da Juatinga, estadual. Tem uma escola, que vai até o quinto ano, e um posto de saúde.

Por isso o menino foi levado ao Hospital Municipal Hugo Miranda, o único de Paraty, depois ao Hospital de Praia Brava, em Angra, e por último transferido de helicóptero ao Hospital de Saracuruna, referência em casos de traumas em Duque de Caxias (região metropolitana do Rio).

Ele apresentou arritmia e sofreu uma parada cardiorrespiratória, revertida pela equipe médica. Chegou a passar por uma cirurgia que durou cinco horas e agora está na UTI (unidade de terapia intensiva), respirando por meio de ventilação mecânica.

Segue acompanhado do pai, segundo o amigo e parente distante Adenício dos Remédios, 51, mais conhecido como Teteco. Analfabeta, Lucimar era mãe solteira e alternava o cuidado das crianças com os bicos: fazia faxina, trabalhava por diária em restaurantes, pescava lula e peixe.

"Crescemos todos juntos. Ela era muito raçuda, não largava os filhos", conta ele. Completava a renda com programas de assistência social, como o Bolsa Família, e doações, como os R$ 500 que uma mulher de São Paulo que lhe transferia todo mês.

Há alguns meses, conseguiu começar a tirar uma quantia como condutora ambiental local depois de fazer um curso do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), guiando turistas por seis horas de trilha até a cachoeira do Saco Bravo. "Isso foi lindo", lembra Teteco.

Recentemente também liderou um mutirão para limpar um bambuzal que rodeava a escola: "Você não é filho de caiçara, não? Seu pai trabalha na roça, rapaz. Que tipo de homem são esses, que vão trabalhar no enxadão ali e vão fazer calo na mão? Então não chega aos pés da mulher da comunidade", enquadrou um deles numa mensagem de áudio, descontraída.

Quando não estavam na escola —a maioria na vila não termina nem o ensino fundamental—, os filhos passavam o tempo brincando na praia. O amigo sente falta da simplicidade e meiguice dos pequenos Jasmin, Iasmim (a única que ainda não foi encontrada) e Estevão, o mais comunicativo do grupo.

Antes de a luz elétrica chegar, em 2017, o esquema na comunidade era vela e gelo, conservado pelas 33 placas solares que a associação de moradores conseguiu através da Fundação Botânica Margaret Mee. Com as chuvas, Ponta Negra agora voltou a esses tempos.

A rede foi destruída e a casa do presidente da associação, Cauê Villela, é a única das 50 com internet, porque ele conseguiu instalar um gerador. Enquanto ele acompanha as buscas, Teteco, o vice, tem levantado doações no centro de Paraty.

Os bombeiros seguem tentando achar Iasmim com a ajuda de cães farejadores. Como o barro está secando, deve chegar nesta terça (5) à praia uma moto-bomba, equipamento da Defesa Civil que vai jogar jatos de água para escorrer a lama no local do soterramento.

A comunidade caiçara tem ajudado a abrigar as famílias atingidas, e até veranistas doaram espaço nas casas para que alguns fiquem até que possam reconstruir o próprio lar com segurança. No colégio, mães cozinham refeições coletivas.

"Está todo mundo sem saber entender, porque nunca teve algo assim. Nasci em 1971, já teve muita chuva, mas é sempre muito seguro, nunca nem entrou água em nenhuma casa", ele lamenta.

Em toda a cidade de Paraty, a prefeitura contabiliza 127 pessoas abrigadas em escolas municipais e outras 400 desalojadas, que perderam tudo. No total, 3.651 casas foram danificadas por alagamentos e 76 foram destruídas. Além da família morta, dez ficaram feridos.

Já em Angra, há 314 pessoas se abrigando nos 38 pontos de apoio criados. O presidente Jair Bolsonaro e o governador Cláudio Castro (ambos do PL) foram até as áreas atingidas na cidade nesta segunda-feira (4).

Como ajudar Ponta Negra

Associação de Moradores Nativos e Amigos da Praia Negra
Banco Bradesco
Agência: 1645
Conta corrente: 6220-0
CNPJ: 02.973.496/0001-05

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.