Governo autoriza suspender teto de preços para medicamentos em falta

Medida busca evitar desabastecimento de itens como dipirona injetável e imunoglobulina; entidade de defesa do consumidor critica mudança

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Brasília

O governo Jair Bolsonaro (PL) decidiu autorizar a suspensão do preço máximo pago pelo SUS (Sistema Único de Saúde) ou pelo setor privado na aquisição de medicamentos que hoje estão em falta no mercado.

A medida é uma tentativa de evitar o desabastecimento de itens como dipirona injetável e a imunoglobulina humana, no momento em que a indústria afirma que a alta dos custos de produção impulsionou os preços de comercialização a um patamar acima do teto estipulado pelo governo.

A suspensão seria temporária, até o fim de 2022. A decisão foi aprovada em reunião do conselho de ministros da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) na última segunda-feira (9).

Prédio cinza com os dizeres "Ministério da Saúde" colados na parede lateral
Fachada do Ministério da Saúde, em Brasília - Roque de Sá/Agência Senado

O governo ainda deve divulgar a lista de medicamentos que ficarão temporariamente livres do valor máximo de tabela. Neste momento, pelo menos a dipirona injetável e a imunoglobulina humana devem ficar sem este controle.

A decisão foi patrocinada por técnicos do Ministério da Economia, sob o argumento de que as empresas fornecedoras não conseguem comercializar produtos com registro no Brasil por causa do preço teto, que estaria desatualizado.

O diagnóstico feito no governo é de que alguns produtos sofreram forte variação no custo de produção por causa das crises causadas pela pandemia da Covid-19 e pela guerra na Ucrânia.

Com a mudança aprovada, o governo pode autorizar que até o fim do ano medicamentos em falta no mercado entrem na lista de produtos sem controle de preços.

A autorização em si não suspende automaticamente o controle sobre os produtos. O CTE (Comitê Técnico Executivo) da CMED realizará as avaliações e, ao identificar risco de desabastecimento de uma substância, poderá retirá-la do tabelamento temporariamente.

A ideia é avaliar periodicamente se novos remédios devem entrar ou sair deste rol e se há abuso das empresas com o novo formato.

O governo deve ainda cobrar das farmacêuticas e distribuidoras relatórios de comercialização, além das justificativas para declarar que o produto está em falta.

O Ministério da Saúde tem recebido alertas de baixo estoque de dipirona injetável em municípios e unidades hospitalares, como mostrou a Folha. O medicamento é indicado como analgésico e antitérmico.

Já a imunoglobulina, fármaco feito à base de sangue, tem sido comprada pela Saúde de forma excepcional, com marcas não registradas pela Anvisa. O produto é utilizado no tratamento de diversas doenças, entre elas o HIV e imunodeficiências.

Desde 2018 o governo acumula compras frustradas e disputas na Justiça e no TCU (Tribunal de Contas da União) por causa deste medicamento.

Em nota técnica de abril deste ano, usada na discussão sobre o preço do medicamento, a Saúde afirma que o Brasil atravessa "uma situação de escassez generalizada [da imunoglobulina] inclusive no setor privado".

O governo ainda esperava receber em março o primeiro lote deste produto da Hemobrás, estatal criada em 2004 para gerir a fabricação de produtos à base de sangue. Segundo a nota técnica da Saúde, a entrega está atrasada.

Feito com o sangue de doações colhidas no Brasil, o produto da Hemobrás é fracionado na Europa.

"Nesse cenário, frisa-se que o momento é delicado e que o Ministério da Saúde tem lançado mão das alternativas legais, mesmo assim, suas competências não alcançam a resolução de um problema tão grave e que vai além do mercado nacional", diz a nota técnica.

Advogada e coordenadora do programa de Saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Ana Carolina Navarrete afirma que liberar preços não resolve o problema do desabastecimento.

"Não há sentido em apagar incêndio com medidas pontuais. O que deveria ser feito é uma discussão madura para modernizar a regulação dos preços", disse Navarrete. Ela defende mais transparência nos valores de produção e desenvolvimento dos produtos na análise do valor de tabela dos remédios.

De forma geral, a CMED define preços máximos de medicamentos e anualmente fixa percentuais de reajustes, definidos a partir da inflação e produtividade da indústria, entre outros fatores.

Há algumas exceções. Medicamentos isentos de prescrição, como antigripais, relaxantes musculares, analgésicos, entre outros produtos vendidos em farmácias, não têm controle de valor teto.

Mulher usando camisa branca sorri para a foto. No fundo, uma parede com pedras
Ana Carolina Navarrete, coordenadora do programa de saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, diz que é "temerário e abre precedente perigoso" flexibilizar as regras sobre o controle dos valores de medicamentos - Divulgação

O conselho de ministros é a última instância da CMED e define diretrizes sobre o controle dos valores dos fármacos. Este colegiado é composto pelos chefes da Saúde, Economia, Justiça e da Casa Civil.

Além da medida emergencial, o colegiado tem discutido outras propostas para alterar a forma de precificação de medicamentos. Em uma das frentes, os ministérios avaliam permitir subir ou baixar os preços máximos de medicamentos a qualquer momento, de forma excepcional, em vez de apenas aplicar reajustes anuais.

Outra ideia que ganhou força, segundo integrantes do governo, é retirar o preço teto de classes de medicamento em que há baixa concentração de mercado.

Para Navarrete, é "temerário e abre precedente perigoso" flexibilizar as regras sobre o controle dos valores de medicamentos.

"Coloca na mão das empresas a precificação dos medicamentos e retira delas o ônus político de justificar os valores praticados, em um cenário que já há falta de transparência", disse a coordenadora do Idec.

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