Governo avalia flexibilizar preços de remédios, mas Economia resiste

Ideia é permitir revisar valores a qualquer momento, nos casos excepcionais, em vez de apenas aplicar reajustes anuais

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Brasília

O governo Jair Bolsonaro (PL) avalia permitir subir ou baixar preços de medicamentos a qualquer momento, de forma excepcional, em vez de apenas aplicar reajustes anuais.

A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), porém, resiste à ideia, que é discutida em ao menos duas frentes: propostas de MP (medida provisória) e de resolução da Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos).

Por trás da resistência da equipe econômica está o temor de que futuros governos decidam pelo corte nos preços de medicamentos com fins políticos, em uma tentativa de beneficiar consumidores.

A avaliação é que a proposta é muito aberta, deixando nas mãos do Executivo um grande poder de intervenção no mercado.

Paulo Guedes, ministro da Economia, discursa no Palácio do Planalto, em Brasília - Evaristo Sá - 10.fev.2022/AFP

Já os integrantes do governo favoráveis à mudança dizem que a nova regra pode ajudar a recolocar no mercado alguns medicamentos que teriam valores máximos abaixo do praticado no mercado internacional —o que dificultaria a oferta dessas drogas no Brasil.

A medida também permitiria evitar o desabastecimento de produtos que sofrem alta variação no preço de fabricação durante alguma crise sanitária ou política. Os preços ainda poderiam cair em casos como de medicamentos que perderam a patente ou ganharam concorrentes no mercado, dizem as mesmas fontes.

Entidades como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) observam com preocupação a possibilidade de aumentar preços em intervalos menores do que um ano.

Em geral, os preços de medicamentos no Brasil têm valores máximos de venda fixados pelo governo, que são reajustados anualmente a partir de um cálculo que considera a inflação do período, a produtividade da indústria e outros fatores.

Em 2020, o governo decidiu adiar o reajuste no teto do preço de medicamentos por causa da pandemia de coronavírus no país. O Ministério da Saúde agora sugere uma MP para permitir estas revisões de preço fora de hora.

O governo também discute uma mudança mais ampla da forma de precificar medicamentos, por meio de resolução da Cmed, em que também poderia prever esse tipo de revisão excepcional dos valores máximos dos produtos.

A equipe de Guedes fez duras críticas à proposta de MP. Em reunião do conselho de ministros da Cmed no fim de janeiro, representantes da Economia disseram que a medida abriria margem para revisões "de forma ideológica e arbitrária".

Também afirmaram ser contra a proposta "por entender que, ao introduzir um alto grau de subjetividade no reajuste de preços, a nova norma geraria insegurança jurídica ao setor".

O representante da Casa Civil na reunião disse que a proposta ainda estava em análise na área jurídica da Presidência. As manifestações da Economia foram registradas na ata da reunião, obtida pela Folha.

A avaliação na área econômica é que não se sabe como as futuras administrações vão encarar questões sobre preços de medicamentos. Uma fonte alerta para o risco de abuso de poder para fins políticos.

Na visão da pasta de Guedes, não há por que permitir a redução a qualquer tempo dos preços de remédios porque o tabelamento atual deixou uma margem capaz de estimular a concorrência entre as farmacêuticas. Já em relação aos aumentos, integrantes da equipe reconhecem que o modelo atual pode inibir a incorporação ágil de inovações.

Não é nova a ideia de permitir que a Cmed mexa nos preços de medicamentos fora do período dos reajustes anuais, que costumam ocorrer em março. Em 2016 o governo de Michel Temer (MDB) apresentou uma MP nessa linha, mas o texto caducou.

À época, integrantes do governo usavam o exemplo do antibiótico penicilina para defender a medida. Fabricado por poucas empresas, a droga tem passado por períodos de escassez de oferta no mercado nos últimos anos.

Ainda hoje funcionários do Ministério da Saúde tentam contornar limites de preço para a compra de alguns medicamentos, como a imunoglobulina, feita à base de sangue. Sem oferta no mercado brasileiro, o governo tem comprado ao SUS de forma excepcional frascos de marca não registrada no Brasil.

Além da mudança na forma de reajuste dos medicamentos, o governo tem disputas sobre reforçar a regulamentação do setor ou afrouxar as regras e deixar que o mercado dite os preços.

Uma das ideias é transferir da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a Economia a secretaria-executiva da Cmed.

O debate mais sólido para mexer nas regras de precificação de medicamentos trata da proposta de resolução da Cmed que foi levada à consulta pública em 2021 pela Seae (Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade).

Esta discussão envolve integrantes da Saúde, Justiça, Economia e Casa Civil. Uma nova minuta de resolução deve ainda passar por análise de impacto regulatório. Segundo integrantes do governo que acompanham a discussão, a tendência é que o processo se prolongue até o fim do ano.

Em nota, a pasta de Guedes disse que a proposta de resolução "não tem concordância integral do Ministério da Economia". "A minuta ali apresentada não foi elaborada exclusivamente por este ministério e contém propostas de todos os membros que compõem a Cmed", disse a Economia.

Questionada, a Saúde afirmou apenas "que a proposta está em análise".

No debate sobre a nova resolução da Cmed, o Sindusfarma apontou que as regras de precificação do setor farmacêutico são atrasadas. "O maior exemplo disto é o absurdo de não se reconhecer uma terapia avançada ou gênica como inovadora", afirmou a entidade no processo, em maio de 2021.

Advogada e coordenadora do programa de Saúde do Idec, Ana Carolina Navarrete afirma que é positiva a possibilidade de reduzir os preços de medicamentos fora da janela de revisão anual, mas que a ideia de aumento excepcional é preocupante.

"Acende ao consumidor a lembrança amarga da hiperinflação", disse Navarrete.

Para a coordenadora do Idec, apenas mexer no preço máximo do medicamento não resolve um problema de desabastecimento de determinado produto. A advogada defende que sejam reforçadas políticas do complexo nacional de saúde, que envolve a produção de fármacos essenciais em laboratórios públicos.

O debate sobre precificação de medicamentos ganhou maior urgência no governo com a entrada de mais produtos de alto custo, como de terapia gênica.

Em um dos casos que tratam destes medicamentos, o conselho de ministros da CMED aceitou subir o preço teto do zolgensma, tratamento de dose única e considerado o mais caro do mundo, de R$ 2,9 milhões para R$ 6,5 milhões, como revelou a Folha.

Mesmo com a mudança, não há garantia de que o Ministério da Saúde conseguirá comprar o medicamento por este preço.

Como a droga não foi lançada no Brasil e está fora do SUS, a União acaba bancando o tratamento usado contra a AME (atrofia muscular espinhal) pelo preço internacional, cerca de R$ 10 milhões, após decisões da Justiça.


GOVERNO AVALIA REVISAR PREÇOS DE MEDICAMENTOS A QUALQUER HORA

Proposta, que sofre resistência interna no governo, pode virar MP ou resolução de órgão que define valores dos produtos

Como é hoje
Preços máximos são fixados pelo governo e reajustados anualmente por conta que considera inflação, produtividade da indústria e outros fatores

Como pode ficar
Além do reajuste anual, governo poderia rever valores a qualquer momento, em casos excepcionais, como de falta do produto ou de queda da patente

O que pensa o governo
Economia é contra a proposta e afirma que abre margem para revisões "de forma ideológica e arbitrária". Outra ala do governo, como alguns membros da Saúde, consideram que medida é benéfica para evitar desabastecimento e trazer ao mercado alguns produtos novos

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