Descrição de chapéu Mobilidade

Índice surgiu para ajudar municípios a lidar com a mobilidade, diz arquiteta

Imus, que serviu de base para projeto, pode ser atualizado, afirma Marcela Costa

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São Paulo

A arquiteta Marcela da Silva Costa é criadora do Imus (Índice de Mobilidade Urbana Sustentável), que serviu de base para a criação do Índice Folha de Mobilidade Urbana. Na ocasião, durante a produção de sua tese de doutorado para a Escola de Engenharia de São Carlos, da USP, que foi apresentada em 2008, ela pretendia criar "uma abordagem integrada, pois essas questões eram tratadas de maneira isolada umas das outras".

Foi assim que reuniu gestores públicos de diversos lugares do país e estabeleceu nove grandes domínios, depois 37 temas e 87 indicadores que, de forma bastante ampla, tentaram abarcar todas as questões relacionadas à mobilidade urbana sustentável.

Ciclista pedala pela ciclovia implantada na orla da praia de Iracema, em Fortaleza (CE) - Rubens Cavallari - 28.mai.2022/Folhapress

Em entrevista concedida por email à reportagem, Marcela, que hoje trabalha na iniciativa privada, explicou que os avanços tecnológicos devem ajudar as prefeituras na coleta e análise de dados. Também diz que o Imus pode ser atualizado para contemplar mudanças como a adoção do home office, que ganhou força durante o período da pandemia e gera impacto nos deslocamentos.

O que a levou a criar o Imus? O Imus foi proposto num momento de absorção de novos conceitos e tendências mundiais sobre transportes, desenvolvimento urbano e sustentabilidade, para uma abordagem integrada, pois essas questões eram tratadas de maneira isolada umas das outras. Daí emergiu o conceito de mobilidade urbana sustentável.

No Brasil, a iniciativa coincidiu com as primeiras discussões no entorno da Política Nacional de Mobilidade Urbana e da necessidade dos municípios disporem de ferramentas para auxiliar seu processo de diagnóstico, avaliação e planejamento estratégico em curto e médio prazos.

Como foi o contato com os gestores públicos para definir quais seriam os indicadores? Houve boa receptividade e cooperação? Sim, a definição dos indicadores foi feita através de um processo amplo de discussão com gestores públicos em 11 cidades brasileiras, no âmbito de curso de capacitação promovido em 2007 pelo Ministério das Cidades, chamado de Gestão Integrada da Mobilidade Urbana.

Tivemos várias reuniões em que pude esclarecer os objetivos do projeto e tive boa receptividade, pois entenderam que os dados coletados também poderiam ser úteis para fornecer subsídios para a proposição de políticas e estratégias, visando melhorar a mobilidade urbana sustentável.

A partir de conceitos que surgiram nestas discussões, que incluíram aspectos sobre transportes públicos, planejamento urbano, meio ambiente, transportes não motorizados etc., foi feita uma ampla pesquisa bibliográfica para identificação de indicadores de avaliação.

Assim, a definição dos indicadores reflete as preocupações dos gestores municipais à época do estudo (2007) e também o estado da arte em termos de indicadores e ferramentas de avaliação a partir de várias iniciativas internacionais em desenvolvimento e atuais.

O Imus é bastante robusto e contempla todo o espectro da mobilidade urbana, com seus 87 indicadores. Entretanto, notamos que o poder público ainda não disponibiliza ou não dispõe de todos os dados necessários para compor o índice, mesmo entre as capitais. Para a senhora, é frustrante de alguma forma notar que, 14 anos após a criação, ainda não se consegue produzir o Imus integralmente? Entendo que é um processo e que há evolução constante nas abordagens. Há tempo de maturação e de assimilação. As tecnologias para coleta e monitoração de dados evoluíram bastante desde a concepção do Imus. A publicidade destes também. A disposição, o armazenamento e a manipulação desses dados envolvem esforços significativos em termos de investimentos, tecnologia e corpo técnico. E isso ainda não está acessível a muitas cidades.

Com os avanços tecnológicos, acredito que a disponibilidade de dados será ampliada. E, além de disseminação, as novas tecnologias também permitem melhorar a coleta e o monitoramento de dados em áreas urbanas.

A pandemia da Covid-19 trouxe desafios extras para os planejadores em termos de coleta de dados, especialmente em relação a pesquisas de Origem e Destino de base domiciliar. Mas isso também proporcionou enormes oportunidades de desenvolvimento de novas técnicas de coleta, a partir do uso da tecnologia.

Com a experiência adquirida ao longo dos anos, quais mudanças proporia no Imus? Reduziria o número de indicadores, por exemplo? Ou até ampliaria, de alguma maneira? O Imus foi proposto num contexto de absorção de conceitos e início de discussões sobre mobilidade urbana sustentável no Brasil. De lá para cá, esses conceitos já foram bastante consolidados. Além disso, já dispomos de um arcabouço regulatório bem mais amplo; as cidades estão muito mais engajadas na elaboração de seus planos de mobilidade e demais instrumentos de planejamento e gestão.

Houve um avanço tecnológico muito grande e, como decorrência, surgiram novos serviços de mobilidade amparados justamente nesta tecnologia.

Acredito que o índice possa ser reduzido e também atualizado, de forma a refletir as mudanças observadas a partir de 2008 nas cidades brasileiras. A prática do home office nas grandes cidades, institucionalizado durante a pandemia e que permaneceu mesmo após a volta aos escritórios, também poderia ser endereçada na eventual atualização.

Pedestres caminham pela avenida dos Portugueses, na Vila Embratel, periferia de São Luís (MA) - Rubens Cavallari - 24.mai.2022/Folhapress

De que maneira a produção de dados poderia ajudar as prefeituras a resolverem seus problemas de mobilidade no dia a dia? Dados são fundamentais para se conhecer os problemas das cidades e sua evolução ao longo do tempo. Dados também permitem o embasando de planos e aproveitamento de oportunidades.

Com dados adequados e constantemente atualizados, as prefeituras podem planejar seus sistemas de mobilidade, adequar os serviços às necessidades dos cidadãos e mitigar impactos sociais e ambientais. Em suma: podem contar com melhores políticas públicas, em benefício de seus cidadãos.

É caro investir em coleta, produção e análise de dados? Como convencer a população da necessidade de gestão dessas informações? Entendo que este processo está cada vez mais abrangente e pode se tornar automático com a evolução da tecnologia, mas isso ainda é uma barreira para muitos municípios, especialmente devido aos custos e à necessidade de corpo técnico especializado para sua gestão.

Gestores e população devem ser cada vez mais cientes de que dados e informações são fundamentais para tomada de decisão, e que sua publicidade e compartilhamento são fundamentais para a gestão e a melhoria dos sistemas de mobilidade urbana, seja em curto prazo, como para o planejamento em longo prazo.

RAIO-X

Marcela da Silva Costa, 43

Arquiteta e urbanista, doutora em planejamento e operação de transportes pela Escola de Engenharia de São Carlos da USP (Universidade de São Paulo), é consultora de Novos Negócios em Mobilidade no Grupo CCR. É ganhadora dos prêmios "DRTPC Prize", ao lado de Antonio Nelson Rodrigues da Silva e Marcia Helena Macedo, pelo artigo "Multiple Views of Sustainable Urban Mobility in a Developing Country – The Case of Brazil". Também ganhadora do "Dow-USP de Inovação em Sustentabilidade 2013", pela tese "Um Índice de Mobilidade Urbana Sustentável".

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