Descrição de chapéu
Mobilidade trânsito

Prefeitos optam pela ineficiência ao não basear políticas públicas em dados

Enquanto o setor privado sabe tudo sobre todos, prefeituras tentam construir soluções no escuro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Carro usado como lotação em São Luís, no Maranhão Rubens Cavallari/Folhapress

São Paulo

Faz sentido receitar remédio para o estômago quando o paciente está com o pé quebrado? Dar um casaco a quem tem fome? Comprar um fogão para tapar uma goteira?

Como você corrige algo se nem sabe o que há de errado?

Parece óbvio que um diagnóstico é o ponto inicial para a solução de qualquer problema. Por que, então, continuamos fazendo políticas públicas no escuro?

Já é 2022, mas o setor público ainda anda na contramão do privado, que há muito entendeu que informação e conhecimento são a chave para desenvolver soluções e aplicar recursos de forma inteligente.

O Imus (Índice de Mobilidade Urbana Sustentável) foi concebido pela arquiteta Marcela da Silva Costa, em sua tese de doutorado. Da forma como foi pensado, previa 87 indicadores para medir a situação da mobilidade urbana e seu caminho até a sustentabilidade nas metrópoles do país.

A realidade, porém, bateu à porta. As prefeituras das capitais brasileiras não têm a maior parte dos dados necessários para pôr o Imus de pé da maneira como foi idealizado, e foram necessárias adaptações para que ele pudesse chegar à versão aqui publicada, no Índice Folha de Mobilidade Urbana. Vale lembrar: estamos falando de capitais, cidades grandes, que contam com recursos.

Há itens básicos que algumas prefeituras não foram capazes de fornecer, como um mapa detalhado das linhas de ônibus e a extensão da rede. Não possuem formas de mensurar e sistematizar o cotidiano do trânsito, do transporte, das ciclovias, dos pedestres.

Os gestores até sabem que há ônibus insuficientes e demorados, mas não sabem precisar quantos mais seriam necessários nem quanto tempo um cidadão espera no ponto. Sabem que há atropelamentos, mas não põem os boletins de ocorrência no mapa para saber onde seria possível evitá-los.

Fosse só uma questão de transparência e informação à imprensa (e consequentemente aos cidadãos), talvez fosse simples resolver. O que preocupa e expõe o tamanho do problema é o fato de que as prefeituras simplesmente não produzem grande parte desses números —não fazem muita ideia do que se passa nas cidades, portanto.

Não sabem se as crianças conseguem chegar às escolas de maneira adequada ou se a mobilidade dificulta a educação, que malabarismos os idosos precisam fazer para chegar ao posto de saúde e se isso prejudica o acesso a exames e medicamentos, quanto o gasto com transporte representa na renda local e se isso é um impasse para que o desempregado procure trabalho. Enquanto não sabem, não medem e não diagnosticam, também não resolvem.

O setor privado parece conhecer tudo sobre todos, ao ponto de desconfiarmos se não chega a ler nossos pensamentos, mas as prefeituras ainda desconhecem o que está debaixo de seus narizes e as ferramentas para remediar os principais entraves da mobilidade urbana.

Sem dados, sem fundamentos e evidências, a construção de políticas públicas que devidamente ataquem os problemas sociais e estruturais, na mobilidade ou em qualquer outra área, fica prejudicada. Elas viram um chute, uma jogada de sorte ou eleitoreira, mas poderiam ser medidas bem planejadas e pensadas estrategicamente para combater o que tanto causa prejuízo aos cidadãos.

Gastamos dinheiro em políticas desastradas ao mesmo tempo em que os cofres públicos se contorcem, o rombo no orçamento aumenta e a população se vê à míngua, sem poder contar com serviços públicos fundamentais.

O Estado poderia pensar de forma inteligente, mas a gestão pública, com raras exceções, opta todos os dias pelo caminho da ineficiência.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.