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Corredores de ônibus não saem do papel na zona leste de São Paulo

Projetos na Radial Leste e nas vias Aricanduva, Itaquera, Líder e Ragueb Chohfi somam gastos de R$ 300 milhões, mas maior parte das obras não começou

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Matheus Oliveira Gabriela Vasques
São Paulo | Agência Mural

A aposentada Fátima da Cruz, 62, mora em São Miguel Paulista e por 18 anos passou pela Radial Leste enquanto trabalhava como auxiliar de cozinha no Belém, também na zona leste de São Paulo.

"Já peguei esse ponto do Tatuapé às 18h. É um terror, esse ponto fica lotado e os ônibus já vêm cheios. Se tivesse um corredor de ônibus, já seria ótimo, porque ele é rápido, não pega trânsito", diz.

Tanto o corredor Radial Leste quanto outros três previstos para a região ainda estão longe da conclusão após uma década de promessas.

Trecho de avenida fechado ao lado de terreno entre as avenias Líder e Itaquera; prometidos para a Copa 2014, corredores de ônibus já gastaram 300 milhões na zona leste de SP , mas faixas exclusivas nas avenidas Radial Leste, Aricanduva, Itaquera, Líder e Jacu Pêssego tiveram apenas 2 km foram entregues
Trecho de avenida fechado ao lado de terreno entre as avenias Líder e Itaquera; prometidos para a Copa 2014, corredores de ônibus já gastaram 300 milhões na zona leste de SP , mas faixas exclusivas nas avenidas Radial Leste, Aricanduva, Itaquera, Líder e Jacu Pêssego tiveram apenas 2 km foram entregues - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Anunciada em 2011 pelo então prefeito Gilberto Kassab (PSD), o primeiro trecho do corredor de ônibus da Radial Leste ligaria o Terminal Parque Dom Pedro, no centro da cidade, ao cruzamento com a avenida Aricanduva.

Em 2013, o governo de Fernando Haddad (PT) anunciou a construção dos trechos 2 e 3 do corredor Radial Leste, além dos corredores Aricanduva, Itaim-São Mateus e Itaquera-Líder.

Ao todo, a região ganharia 67 km de faixas exclusivas para os ônibus.

Porém, apenas 2,1 km estão em funcionamento, apesar de já terem sido gastos R$ 300 milhões com os projetos. Os dados foram obtidos pela Agência Mural, por meio da Lei de Acesso à Informação, com a SP Obras, empresa da Prefeitura de São Paulo vinculada à Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana.

De acordo com os dados, entre 2013 e 2022, os trechos 1 e 2 do corredor de ônibus da Radial custaram quase R$ 42 milhões. O da Aricanduva, mais de R$ 3 milhões, e os de Itaquera, mais de R$ 258 milhões.

A prefeitura estima que os projetos custarão R$ 2,4 bilhões quando concluídos.

A demora nas obras faz com que os passageiros percam tempo no trânsito, se confundam com pontos de ônibus dos dois lados da via, enquanto os canteiros de obras têm servido de moradia a pessoas em situação de rua.

Na Aricanduva, a via não apresenta obras nos canteiros centrais, apesar de o projeto prever 13,6 quilômetros de corredores por toda a avenida às margens do rio, até a avenida Ragueb Chohfi. Enquanto isso, faixas de ônibus foram criadas, onde os coletivos têm a preferência na faixa da direita em dias e horários específicos.

O funcionário público Robson Jordão, 45, mora na Vila Formosa e utiliza a Aricanduva todos os dias para ir ao trabalho em São Mateus. Pela rotina, ele sabe de cabeça os pontos de trânsito lento.

"Na Aricanduva tem mais trânsito na alça de acesso da Radial, perto da avenida Itaquera e antes das avenidas Latinos e Afonso Sampaio e Sousa. Acho boa a faixa de ônibus, ela já ajuda, e com o corredor de ônibus com certeza melhoraria o trânsito."

Alguns problemas foram detectados nos projetos.

Em 2015, o TCM (Tribunal de Contas do Município) notificou a prefeitura por suspeita de sobrepreço nos contratos firmados para a construção dos trechos do corredor Radial Leste.

No mesmo ano, o TCU (Tribunal de Contas da União) suspendeu os contratos da construção do corredor. A obra contou com verbas federais do antigo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Em 2020, a gestão entregou 2,1 km do corredor Itaquera-Líder, o que corresponde a três paradas de oito linhas de ônibus. Essa parte da construção, que havia sido prometida para a Copa de 2014 pela gestão de Fernando Haddad (PT), prevê 9,3 km de extensão.

Mesmo com a liberação do trecho, a vida dos moradores da região não melhorou. O corredor fica no canteiro central da avenida, por onde também passam micro-ônibus, que fazem o embarque e desembarque do lado direito.

A autônoma Ruth Maria dos Santos, 63, esperando o ônibus no corredor de Itaquera
A autônoma Ruth Maria dos Santos, 63, esperando o ônibus no corredor de Itaquera; ela diz ter ficado mais arriscado para os pedestres no local - Gabriela Vasques/Agência Mural

"Ficou confuso porque a lotação para do outro lado e aqui para os ônibus grandes. As pessoas não sabem para onde correr", afirma a autônoma Ruth Maria dos Santos, 63, moradora da região, que diz ter ficado mais arriscado para os pedestres. "A gente vê aquelas freadas bruscas, porque o ônibus não para como o carro pequeno."

Michel Martire, 43, tem uma loja em frente ao corredor de ônibus desde 2006. Ele conta que, desde que os novos pontos passaram a ser utilizados, precisou orientar muitos passageiros que não sabiam em qual ponto esperar o transporte. "A pessoa espera aqui e quando ela vai ver o ônibus está passando lá do outro lado e precisa sair correndo", afirma.

O lojista, que sempre morou na região, diz que vê as obras há mais de dez anos e que comprometeu parte das vendas. "Atrapalhou bastante o comércio, principalmente na parte de baixo da avenida Itaquera. Aqui, eles deram um jeito de arrumar logo porque era um acesso mais fácil para o estádio [da Arena Corinthians], então eles fizeram uma maquiagem."

Ele afirma que a prefeitura nunca deu uma posição para os lojistas, só terminaram parte das obras depois de algumas manifestações. "Se você vê na praça, ainda tem resquício de obra, ali era para ser um terminal de ônibus que nunca foi concluído e pelo visto não vai ser tão cedo", diz o lojista.

Na praça Francisco Daniel Lopes seria construído um terminal de ônibus. Porém a praça e parte da avenida foram fechadas com tapumes e construíram um desvio para passagem de veículos. "Esse desvio tem mais de dez anos, por trás da praça", afirma Michel.

Michel Martire na sua loja em frente ao corredor de ônibus de Itaquera
Michel Martire tem uma loja em frente ao corredor de ônibus de Itaquera há seis anos e diz que precisa ajudar os usuários que não sabem onde pegar os ônibus - Gabriela Vasques/Agência Mural

Sem a continuidade do projeto, o local passou a servir de abrigo para pessoas em situação de rua, entre eles estão o casal Eliana Santos, 43, e Waldemberg dos Santos, 42. Eles vivem juntos há sete anos. Desses, há quatro têm a moradia improvisada no canteiro que seria o terminal de ônibus.

Além do casal, hoje vivem mais cinco pessoas no local.

Os dois enfatizam que a prefeitura nunca ofereceu outro lugar para eles morarem. O casal sobrevive com a coleta e venda de reciclados.

Waldemberg afirma que, se fosse para melhorar o bairro, sairia do local onde ele e a mulher se abrigam atualmente.

Por meio de nota, a Prefeitura de São Paulo afirmou que até o final de 2024 serão concluídos os corredores Itaquera-Líder, Celso Garcia e BRT Radial Leste - Trecho 1. Com relação ao BRT Corredor Aricanduva, a gestão municipal disse que os projetos executivos e estudos ambientais estão em desenvolvimento, com previsão de conclusão em setembro.

Sobre os mais de R$ 300 milhões gastos, a prefeitura disse que os valores foram dispostos em projetos, reformas de terminais, requalificação de tubulações de água e esgoto, recuperação de vias, instalação de uma passarela no Terminal de Itaquera e a construção de 2,1 quilômetros no corredor Itaquera-Líder.


LINHA DO TEMPO

  • 2011 - Gestão Gilberto Kassab anuncia a implantação do corredor na Radial Leste
  • 2013 - Programa de Metas da gestão de Fernando Haddad acrescenta os corredores Aricanduva, Itaim - São Mateus e Itaquera Líder.
  • 2015 -TCM e TCU revelam indícios de superfaturamento nas obras do corredor Radial Leste.
  • 2016 - TCU cancela a licitação de construção do trecho 1 do corredor Radial Leste
  • 2018 - Gestão de João Doria retira a verba dos corredores e aplica em recapeamento de vias.
  • 2020 - Prefeitura sob comando de Bruno Covas inaugura 2,1 km do corredor Itaquera-Líder
  • 2020 - Gestão Covas rompe o contrato do corredor de ônibus Itaquera - Líder, entre as vias Itaquera e Líder
  • 2022 - Gestão Ricardo Nunes lança um edital para a construção do trecho 1 do Corredor Radial Leste

CORREDORES DA ZONA LESTE

Projetos preveem 67 km de vias exclusivas em quatro corredores para ônibus, mas apenas 2 km saíram do papel

CORREDOR RADIAL LESTE

Radial Leste 1
Traçado: entre a rua General Sousa Neto, av. Conde de Frontim e o Terminal Parque Dom Pedro II (entre o Terminal Dom Pedro II e a avenida Aricanduva)
Extensão: 9,5 Km
Valor estimado do empreendimento: R$ 416 milhões

Radial Leste 2
Traçado: rua General Sousa Neto (Radial Leste) até Estação Arthur Alvim
Extensão: 8,6 Km
Valor estimado do empreendimento: R$ 291 milhões

Radial Leste 3
Traçado: da Estação Arthur Alvim (Radial Leste) até rua Capitão Pucci
Extensão: 8 km
Valor estimado do empreendimento: R$ 380 milhões


CORREDOR ITAQUERA

Itaquera 1
Trecho 1: avenida Itaquera entre a avenida Aricanduva e a praça Francisco Daniel Lopes
Trecho 2: avenida Líder entre a praça Francisco Daniel Lopes e a avenida Itaquera
Extensão: 6,2 km - 2,1 km em funcionamento e 4,1 km em execução
Investimento: R$ 30 milhões
Status: trecho de 2,1 km do Corredor Itaquera - Líder na av. Líder está em operação e estão sendo executadas obras complementares

Itaquera 2
Trecho 1: Terminal Vila Carrão - av. Itaquera até o cruzamento com avenida Aricanduva
Trecho 2: av. Itaquera desde o final da av. Líder, rua Américo Salvador Novelli, ladeira do Xisto, rua Geraldo Vieira de Castro, av. José Pinheiro Borges (baixos do Viaduto), rua João Radaic Benegulo, rua Gregório Ramalho, av. Itaquera.
Extensão: 3,1 km
Investimento: R$ 152 milhões
Status: em elaboração de projeto executivo e licenciamento ambiental

Total para Leste Itaquera: 9,3 km

CORREDOR BRT ARICANDUVA

Traçado: terá início na intersecção da Radial Leste com a avenida Aricanduva e segue acompanhando o traçado do rio Aricanduva, e posteriormente da avenida Ragueb Chohfi, a partir do seu ponto de confluência da av. Aricanduva, seguindo até a altura do Terminal São Mateus da EMTU, na altura da praça Felisberto Fernandes da Silva
Extensão: 13,6 Km
Valor estimado: aproximadamente R$ 646,8 milhões (US$ 97 mi do Banco Mundial e US$ 24,25 mi da PMSP)


CORREDOR ITAIM - SÃO MATEUS

Traçado: av. Ragueb Chohfi (av. Aricanduva) - Estrada do Iguatemi - Saturnino Pereira - rua Capitão Pucci - estrada do Lageado Velho - Eestrada Dom João Nery (Av. Marechal Tito)
Extensão: 18 Km
Valor estimado: R$ 500 milhões

Fonte: Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação com a SP Obras

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