Descrição de chapéu Solidariedade LGBTQIA+

ONGs no Nordeste acolhem população LGBTQIA+ em situação de rua

De 140 assassinatos de trans no Brasil em 2021, 135 eram travestis e mulheres transexuais

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Maceió

Natasha Wonderfull da Silva, 51, entrou para o mundo do trabalho aos 12, cortando cana e mato ou plantando batatas. Às vezes ganhava dinheiro, em outras a comida e, de vez em quando, saía sem nada e até apanhava. Ela morava no sertão de Pernambuco, mas encontrou refúgio em Alagoas após a morte da mãe.

Em União dos Palmares, vivia em casas de família, fazendo atividades domésticas, incluindo limpar o esgoto. Nas ruas, era ofendida e ameaçada de violência física. Na capital, Maceió, os empregos também não vieram.

Uma amiga disse a Natasha: "Aqui, você não vai arrumar emprego. A solução é a rua". Na avenida da Paz, de frente para a praia, ainda menor de idade, aquilo significava entrar para o mundo da prostituição. Uma criança negra, com mente feminina, sob a promessa de dinheiro fácil. Andou por São Paulo, Belo Horizonte, até mesmo na Itália, na tentativa de se manter.

Pessoas acolhidas pela Casa Transformar, ONG do Ceará que acolhe pessoas LGBTQIA+
Pessoas acolhidas pela Casa Transformar, ONG do Ceará que acolhe pessoas LGBTQIA+ - Divulgação

Esse texto não precisa ir mais longe para revelar que Natasha Wonderfull é uma mulher transexual. A surpresa, diz ela, é que todo esse cenário, vivido há quase 40 anos, se repete em todo o país. "A escolha é simples: ou essas meninas se prostituem e comem ou estudam e trabalham", analisa a atual presidente da Associação Cultural de Travestis e Transexual de Alagoas (ACTTrans).

"Nós tentamos dar a elas o incentivo de estudar e trabalhar, mas infelizmente já estão acostumadas com os programas. As pessoas querem nos ver sendo agressivas. A sociedade criou o paradigma de que as transexuais são violentas, que são só para o sexo. Estamos lutando para quebrar isso. No Brasil, é muito difícil ser transexual. Muitas morrem de tiro, de facada. Hoje, tenho um emprego. Se acabar meu contrato, eu vou para a rua. Vou ser mais uma das mulheres mortas nas ruas", desabafa.

De acordo com o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras, realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), foram registrados 140 assassinatos de pessoas trans no Brasil em 2021 –135 vítimas travestis e mulheres transexuais, e 5 homens trans e pessoas transmasculinas. Além disso, 78% dos assassinatos foram direcionados a profissionais do sexo.

Sudeste (49 assassinatos) e Nordeste (47) lideraram a estatística. São Paulo, Bahia, Ceará e o Rio de Janeiro aparecem entre os cinco primeiros estados com mais assassinatos de trans desde 2017. Desde 2008, o Brasil é o país que mais comete esse tipo de crime, segundo a ONG Transgender Europe (TGEU).

"Gênero e sexualidade são temas pouco estudados e explorados, as pessoas passam a ter noções das questões muito tarde. Temos pouquíssima representatividade na política e em posições de poder que possam criar políticas públicas para fortalecer iniciativas de solidariedade LGBTQIA+", analisa Eron Neto, presidente da CasAmor, de Sergipe.

Segundo ele, a ONG se mantém por meio de doações da sociedade civil e empresas. Durante o período de pandemia, quando os chamados em casos de violência LGBT foi maior, houve uma campanha virtual de arrecadação que possibilitou recursos financeiros para manter o projeto e atender a frente de segurança alimentar, que é a área prioritária.

"A busca por acolhimento cresceu consideravelmente e hoje estamos com fila de espera em atendimentos como saúde mental e segurança alimentar. A violência familiar acontece constantemente, sempre somos chamados para ajudar pessoas dentro dos seus próprios lares", conta Neto.

"Temos problema para saber os dados públicos reais. A subnotificação de casos de violência LGBTQIAfóbica ocasiona em pouca base para pedirmos por políticas públicas de proteção para esse grupo. A maior dificuldade para alcançarmos pessoas é o baixo índice de doações que ocasiona na falta de estrutura", complementa.

No Ceará, segundo estado mais violento para a população transexual do Nordeste em 2021, com 11 assassinatos, o cenário é semelhante. São as doações que mantêm o funcionamento da ONG, todos de pessoas físicas. Segundo Nik Hot, fundadora da Casa Transformar, a procura pelo acolhimento aumentou bastante nos últimos seis meses. São seis pessoas que vivem no local, além de outras 15 que precisam de apoio.

A transexual Natasha Wonderfull, que trabalha no Consultório na Rua, vinculado à Prefeitura de Maceió, trabalha dando assistência a população em situação de rua
A transexual Natasha Wonderfull, que trabalha no Consultório na Rua, vinculado à Prefeitura de Maceió, trabalha dando assistência a população em situação de rua - Arquivo pessoal

"A sociedade empurra essas meninas para a prostituição. Nós damos cursos, oficinas, workshops, com voluntários que se prontificam a passar esse conhecimento. O Ceará, infelizmente, é perigoso. Eu não me sinto tão segura. Estou no país que mais me mata e num dos estados que mais me mata. O Nordeste também é potência no acolhimento, mas ainda estamos começando", conta.

Natasha, que é técnica de enfermagem e atua no Consultório na Rua, vinculado à Prefeitura de Maceió, trabalha dando assistência a população em situação de rua e também às comunidades periféricas e pessoas em vulnerabilidade social. Por meio do grupo Transhow, criado em 2014 para fazer espetáculos de teatro, ela tenta tirar as meninas das ruas.

"Se você me perguntar o que tem para as transexuais aqui em Alagoas, no Brasil, a resposta é simples: nada. Através do palco e da arte, eu consegui me expressar e tirar essas meninas da rua, na cara e na coragem. Se tiver público, elas ganham. Se não tiver, não ganham", lamenta.

"Estou vendo elas voltando para a prostituição. Eu vou na casa delas e não vejo o que comer. Algumas cozinham no álcool. Muitas não leem. Nós ensinamos sobre direitos, papel do SUS, mostramos vídeos… Temos algumas vitórias no Brasil, mas ainda é muito pouco."


Saiba como doar

Grupo Gay de Maceió (Alagoas) - Tel.: (82) 98822-1826 . Instagram: @grupogaydemaceio/

CasAmor (Sergipe) - Tel.: (79) 99637-7805. Instagram: @casamorlgbtqi/ ; contato para doações: casamorlgbt@gmail.com

Casa Transformar (Ceará) - Tel.: (85) 981268410. Instagram: @casatransformar/ ; contato para doações: vakinha.com.br/vaquinha/colabore-com-a-existencia-da-casa-transformar

Outras doações

Ação da Cidadania
Promove ações de saúde, educação, cultura e geração de renda por meio dos comitês estaduais, conforme a demanda de cada comunidade
Onde: Em todo o Brasil
Informações e doações no site: www.acaodacidadania.org.br

Amigos do Bem
Combate a miséria no sertão nordestino por meio de projetos de educação, geração de renda e acesso
Onde: AL, PE e CE
Informações no site: doar.amigosdobem.org/acaoemergencialpf

O Amor Agradece
Organização que nasceu da reunião de amigos para cozinhar e distribuir quentinhas para a população vulnerável de São Paulo. Também distribui cobertores no inverno
Onde: São Paulo
Informações no Instagram: @oamoragradece/

G10 Favelas
É um grupo de líderes e empreendedores sociais que atuam em favelas. O dinheiro arrecadado nas campanhas é usado na compra de marmitas e kits de higiene para moradores de comunidades
Onde: em 16 estados do país
Informações e doações no site: g10favelas.com.br

Gastromotiva
Atua no combate à insegurança alimentar e desperdício de alimentos formando gratuitamente cozinheiros e empreendedores, que produzem e distribuem refeições nutritivas nas suas comunidades a partir do programa de cozinhas solidárias
Onde: Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Manaus, Salvador, Dourados e Lucas do Rio Verde
Informações e doações: www.gastromotiva.org

Mães da Favela
Iniciativa criada pela Cufa com o objetivo de levar renda para mães moradoras de favelas
Onde: em todo o Brasil
Informações e doações no site: www.maesdafavela.com.br/doar

Pão do Povo da Rua
Projeto do Instituto de Pesquisa da Cozinha Brasileira (IPCB), que diariamente produz 3.000 pães e bolos destinados à distribuição para as pessoas em situação de rua, no centro de São Paulo
Site: paodopovodarua.com.br. Tel. (11) 99999-4090

Quebrada Alimentada
Organizam ações para servir marmitas e cestas básicas às famílias da periferia do bairro de Vila Medeiros, zona norte de São Paulo. Desde o começo da pandemia, foram mais de 100 mil refeições servidas e 70 mil kg de alimentos doados em cestas básicas
Onde: São Paulo
Informações e doações no site: solidariedade.gaiamais.org/

Redes da Maré
Produz projetos e ações para garantir qualidade de vida aos mais de 140 mil moradores das 16 favelas que compõem o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro
Onde: Rio de Janeiro
Informações e doações no site: www.redesdamare.org.br/br/quemsomos/doeagora

Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras)
Oferece assistência social a crianças e adolescentes, pessoas com hanseníase, idosos, imigrantes e refugiados e pessoas em situação de rua
Onde: São Paulo e Rio de Janeiro
Central de Doações: (11) 3795-5220 / (21) 96927-9888
Site: sefras.org.br

Tem Gente com Fome
Arrecada recursos para ações emergenciais contra a fome, miséria e violência na pandemia
Onde: em todo o Brasil
Site: www.temgentecomfome.com.br

União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social (Unibes)
Atende pessoas em situação de vulnerabilidade com assistência social e serviços para crianças, adolescentes, jovens e idosos
Onde: São Paulo
Site unibes.org.br/onde-estamos/. Tel. (11) 3311-7266 / (11) 3123-7300 / WhatsApp (11) 96929-4660 e (11) 99328-8398

Unidos do Bem
Distribui marmitas para população de rua e comunidades na periferia de São Paulo, em bairros como Heliópolis, Paraisópolis, Campo Limpo, Jardim Ângela, Grajaú e Capão Redondo
Site: unidosdobem.org.br. Tel. (11) 97093-1818

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