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Alexandre Kalache

A oportunidade ímpar do novo governo: preparar o futuro da longevidade

As implicações do rápido envelhecimento atingem todos os aspectos da sociedade brasileira

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, é presidente do Centro Internacional da Longevidade e ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS)

Desde o início do século, o único segmento da população brasileira em ascensão é o de maiores de 60 anos, que já somam 33 milhões, devendo dobrar antes de 2050. As implicações deste rápido envelhecimento vão muito além do setor saúde. Elas são transversais, atingindo todos os aspectos da sociedade brasileira.

Estamos envelhecendo, como país e em nível individual, e este é um processo inexorável, a menos que ocorram o que ninguém deseja, muitas mortes precoces. Se não agirmos já, transformaremos a maior conquista social dos últimos cem anos em um prêmio envenenado. Não há tempo a perder, são já adultos os idosos deste amanhã tão próximo.

No que toca à saúde, não é envelhecimento da população em si que gera encargos financeiros insustentáveis. Os custos refletem sobretudo o baixo investimento na promoção da saúde; o modelo assistencial que privilegia a cura e não a prevenção das doenças; os gastos ineficazes de internações hospitalares desnecessárias se a atenção primária à saúde fosse fortalecida; a supermedicalização e procedimentos de sofisticada tecnologia e alto custo frequentemente supérfluos.

Casal de idosos caminha de braços dados em um parque
O único segmento da população brasileira em ascensão é o de maiores de 60 anos, que já somam 33 milhões, devendo dobrar antes de 2050 - Pixabay

De um modo geral, os profissionais da saúde não estão sendo treinados para os desafios do envelhecimento. É como se os estivéssemos treinando para exercer suas profissões para o século 20, aprendendo muito sobre desenvolvimento infantil e mulheres grávidas quando sua prática profissional se dará ao longo do século de um envelhecimento galopante. Levando em conta o que preconiza a OMS, já temos um deficit de 28 mil geriatras. Basta dizer que somente 10% das escolas médicas têm departamentos de geriatria para saber que não vamos preenchê-lo.

Mais importante é fazer com que todos os profissionais da saúde aprendam muito mais sobre geriatria e gerontologia. Com isso, farão diagnósticos mais corretos e poderão cuidar de seus pacientes mais adequadamente, errando menos, salvando mais vidas e gastando menos recursos.

A revolução da longevidade não está sendo acompanhada por uma revolução da educação. Não só na área da saúde. Faz-se urgente a implementação de programas de aprendizagem ao longo da vida de modo a que adultos possam envelhecer atualizando continuamente suas habilidades e saberes. Com isso, poderão permanecer no mercado de trabalho por mais tempo, gozando não só de renda como de qualidade de vida. Nosso único bem renovável não é minério de ferro, soja ou energia eólica; é gente, e gente envelhecida.

O envelhecimento pressupõe também garantir a participação integral dos mais idosos na sociedade. Para tal há que combater o idadismo com a determinação que tal preconceito exige. Trata-se de uma questão de direitos humanos, ditada pela Convenção Pan-Americana que ainda não endossamos. E pelo protagonismo que perdemos no palco internacional, deixando que outros países nas Nações Unidas o ocupassem, quando fomos nós, há 12 anos, que desencadeamos o processo.

Há finalmente a questão da segurança, da proteção que pessoas, de todas as idades, necessitam para saber que, ao envelhecer, não serão abandonadas, negligenciadas, maltratadas. Esse sempre foi e sempre será o grande medo, o pavor de envelhecer. Cícero já o dizia há mais de 2.000 anos...

Ao novo governo é oferecida uma oportunidade rara, de redefinição, civilizatória. Para tal, a ambição deve ser tão grande quanto o tamanho do desafio. A velhice não pode ser compartimentada, posta de lado como algo periférico. A abordagem política deve ser transversal, intersetorial e intergeracional, dentro do escopo de uma sociedade para todas as idades. De velhices cidadãs.

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